- A deambulação enquanto motivo poético
-
O real e a «visão de artista«: objetividade e subjetividade
- Marcas narrativas
- Descrição sensorial - a presença e, por vezes, o cruzamento dos vários sentidos
Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,
Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha, os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.
Como as elevações secaram do relento,
E o descoberto Sol abafa e cria!
A frialdade exige o movimento;
E as poças de água, como um chão vidrento,
Refletem a molhada casaria.
Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita,
Disseminadas, gritam as peixeiras;
Luzem, aquecem na manhã bonita,
Uns barracões de gente pobrezita
E uns quintalórios velhos com parreiras.
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!
Tomam por outra parte os viandantes;
E o ferro e a pedra - que união sonora! -
Retinem alto pelo espaço fora,
Com choques rijos, ásperos, cantantes.
Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,
Cuja coluna nunca se endireita,
Partem penedos. Voam-lhe[s] estilhaços.
Pesam enormemente os grossos maços,
Com que outros batem a calçada feita.
A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!
Que espessos forros! Numa das regueiras
Acamam-se as japonas, os coletes;
E eles descalçam com os picaretes,
Que ferem lume sobre pederneiras.
E nesse rude mês, que não consente flores,
Fundeiam, como esquadra em fria paz,
As árvores despidas. Sóbrias cores!
Mastros, enxárcias, vergas! Valadores
Atiram terra com as largas pás.
Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente! -
Carros de mão, que chiam carregados,
Conduzem saibro, vagarosamente;
Vê-se a cidade, mercantil, contente:
Madeiras, águas, multidões, telhados!
Negrejam os quintais, enxuga a alvenaria;
Em arco, sem as nuvens flutuantes,
O céu renova a tinta corredia;
E os charcos brilham tanto, que eu diria
Ter ante mim lagoas de brilhantes!
E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos,
Eu tudo encontro alegremente exato.
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!
Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem
De tão lavada e igual temperatura!
Os ares, o caminho, a luz reagem;
Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;
Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.
Mal-encarado e negro, um para enquanto eu passo,
Dois assobiam, altas marretas
Possantes, grossas, temperadas de aço;
E um gordo, o mestre, com um ar ralaço
E manso, tira o nível das valetas.
Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!
Que vida tão custosa! Que diabo!
E os cavadores pousam as enxadas,
E cospem nas calosas mãos gretadas,
Para que não lhes escorregue o cabo.
Povo! No pano cru rasgado das camisas
Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas;
Listrões de vinho lançam-lhe divisas,
E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!
De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,
Surge um perfil direito que se aguça;
E ar matinal de quem saiu da toca,
Uma figura fina, desemboca,
Toda abafada num casaco à russa.
Donde ela vem! A atriz que tanto cumprimento
E a quem, à noite na plateia, atraio
Os olhos lisos como polimento!
Com seu rostinho estreito, friorento,
Caminha agora para seu ensaio.
E aos outros eu admiro os dorsos, os costados
Como lajões. Os bons trabalhadores!
Os filhos das lezírias, dos montados:
Os das planícies, altos, aprumados;
Os das montanhas, baixos, trepadores!
Mas fina de feições, o queixo hostil, distinto,
Furtiva a tiritar em suas peles,
Espanta-me a atrizita que hoje pinto,
Neste dezembro enérgico, sucinto,
E nestes sítios suburbanos, reles!
Como animais comuns, que uma picada esquente,
Eles, bovinos, másculos, ossudos,
Encaram-na sanguínea, brutalmente:
E ela vacila, hesita, impaciente
Sobre as botinhas de tacões agudos.
Porém, desempenhando o seu papel na peça,
Sem que inda o público a passagem abra,
O demonico arrisca-se, atravessa
Covas. entulhos, lamaçais, depressa,
Com seus pezinhos rápidos, de cabra!
Cesário Verde
Lembrar: tarefas para esta semana
semana de 1 a 5 de
junho
|
Ficha formativa – educação literária
Leitura + Gramática
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Manual,
pp. 346-347 Grupo I
pp. 348-349
|
Questionário oral; discussão/partilha de reflexões e esclarecimento de dúvidas
Correção da ficha
| TEAMS (no horário de cada uma das turmas)
Cenários
de resposta (blogue - a 5/06)
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarAtenção, porque alguém pode ter feito impressão do poema
ResponderEliminarNa versão anterior fora usada uma fixação de texto diferente da do vosso Manual.
Agora está alterado, para a mesma edição - a da Relógio D´´Agua, 2006.