CANTIGA ALHEIA
Pastora da serra,
da serra da Estrela,
perco-me por ela.
VOLTA
Nos seus olhos belos
tanto Amor se atreve
que abrasa entre a neve
quantos ousam vê-los.
Não solta os cabelos
Aurora mais bela:
perco-me por ela.
Não teve esta serra,
no meio da altura,
mais que a fermosura
que nela se encerra.
Bem céu fica a terra
que tem tal estrela:
perco-me por ela.
Sendo entre pastores
causa de mil males,
não se ouvem nos vales
senão seus louvores.
Eu só por amores
não sei falar nela:
sei morrer por ela.
De alguns que, sentindo,
seu mal vão mostrando,
se ri, não cuidando
que inda paga, rindo.
Eu, triste, encobrindo
só meus males dela,
perco-me por ela.
Se flores deseja,
(por ventura delas)
das que colhe, belas,
mil morrem de enveja.
Não há quem não veja
todo o milhor nela:
perco-me por ela.
Se na água corrente
seus olhos inclina,
faz luz cristalina
parar a corrente.
Tal se vê que sente
por ver-se água nela:
perco-me por ela.
Ondados fios de ouro reluzente
Que agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas esparzidos (1)
Fazeis que a sua graça se acrescente;
Olhos, que vos moveis tão docemente,
Em mil divinos raios incendidos,
Se de cá me levais a alma e sentidos,
Que fora, se eu de vós não fora ausente?
Honesto riso, que entre a mor fineza
De perlas e corais nasce e aparece;
Se na alma em doces ecos não o ouvisse!
Se imaginando só tanta beleza,
De si com nova glória a alma se esquece,
Que será quando a vir? Ah quem a visse!
(1) o mesmo que 'espargidos' - derramados, estendidos, espalhados.
Imagem| Retrato de Simonetta Vespucci, pintura de Sandro Botticelli (1445-1510), considerado um dos maiores pintores do Renascimento italiano e europeu.
Outros poemas de Camões
Sem comentários:
Enviar um comentário