... porque todo o tempo é de poesia, mesmo este, ou sobretudo este.
Créditos da imagem: Facebook - Grupo Pessoal amigo da praia de Santa Cruz Torres Vedras
Enquanto pensas nas tuas palavras - as favoritas, as interditas, as que ainda não conseguiste dizer, as que ficaram por dizer e agora já não encontram lugar, as que tens muita vontade de dizer, as que já não suportas, as que adoravas ouvir - ficam contigo 3 poemas, 3 poetas para celebrar setembro e as palavras.
As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade
Créditos da imagem:Facebook-Grupo Pessoal amigo da praia de Santa Cruz Torres Vedras
Pequena Elegia de Setembro
Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.
Eugénio de Andrade, in 'Antologia Poética'
8 de Setembro
Hoje, este dia foi uma taça cheia,
hoje, este dia foi a onda imensa,
hoje, foi a terra inteira.
Hoje, o mar tempestuoso
ergueu-nos num beijo
tão alto que estremecemos
ao clarão de um relâmpago
e, unidos, descemos
para mergulharmos enlaçados.
Hoje os nossos corpos dilataram-se,
cresceram até ao extremo do mundo
e rolaram fundidos
numa só gota
de cera ou meteoro.
Entre mim e ti abriu-se uma nova porta
e alguém, sem rosto ainda,
esperava-nos ali.
Pablo Neruda, in
"Os Versos do Capitão"