Estes são textos criados pelos alunos, após a leitura e interpretação de Memorial do Convento. Apesar de serem uma (re)criação, as informações, eventos, características têm por base o conhecimento da obra.
Eu, Blimunda, mais conhecida por «Voadora»1, sou a personagem central de um Romance, do Romance
vivido com o grande e eterno amor da minha vida, vida essa muito
atribulada e atípica. Para o caso de ainda não ter sido redigida tal
coisa, assim como outrora nunca fora imaginada, fica aqui assente, através dos meus olhos que tudo vêm e que lá no alto, no céu, já estiveram e uma Passarola já construíram.
Conto a minha história, por ser diferente e cativante, talvez até por já ter experienciado um pouco de tudo, e aproveito para homenagear os que comigo também voaram, por um destino incerto. “Ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais”2, foi esta beleza oculta da literatura que me fez querer aprender a escrever, tarde aprendi, é certo, mas posso agora imortalizar os que vão no meu coração e me deixaram as suas vontades…
Tudo começou no dia em que conheci o meu eterno amor. Curiosamente, foi um dos melhores e piores dias da minha vida. Foi o dia em que me apaixonei! Era eu uma inocente jovem de 19
anos que da vida pouco sabia, estava num Auto de Fé a ver passar a
procissão dos sentenciados, onde por instinto primordial ou sinal
maternal, dirigi-me ao alto homem que ao meu lado se encontrava, ele que no meio de tanto vigor e efusividade não revogava a sua postura serena, e perguntei-lhe, “Que nome é o seu?”3. Um segundo por favor. Já está, já passou, este foi o segundo que demorou a criar uma conexão afetiva e espiritual entre nós que até hoje permanece indelével. Ele respondeu-me, “Baltasar Mateus, também me chamam Sete-Sóis.”3
Ainda choro este dia? Sim! Um dia tão estranho que levou tudo o que eu tinha
dando-me tudo o que tenho. Neste dia saí de casa acompanhada por um
amigo e que para sempre amigo permanecerá, também ele pouco vulgar e
deveras prosaico, era padre e chamava-se Bartolomeu. Veio por mim e por minha mãe que estava a passar ao pé de mim, tão perto, tão perto, e
tão distante como nunca distantes tínhamos estado antes. Pois é, a
minha mãe era uma das inúmeras injustas sentenciadas, razão pela qual
nada lhe pude dizer senão sussurrar ao padre, “Ali vai minha mãe”3. Foi degradada para sempre da minha vida, nunca mais a vi.
As pessoas olham de lado. É verdade, sempre olharam e olharão,
está nos genes desta gente mesquinha que só de olhar não se serve, sem
pelo menos passar pelos excessos que fazem a “pocilga que é Lisboa”4. Sempre me senti diferente, a minha visão do mundo não é como a dos outros, nunca julguei nem critiquei ninguém. As pessoas mais simples, criticam o Rei (D. João V) pela ostentação e desperdício em luxúrias, no entanto, em toda a minha pobreza sentia que até sua alteza me olhava com inveja. Mas este será provavelmente o único com razão para tal, pois com um soldado maneta me juntei e sem nenhum tipo de acordos contratuais fui mais feliz que que nossa majestade nas suas variadíssimas tentativas cerimoniais.
Tenho uma opinião distinta, eu sei. Eu avisei que a minha visão do mundo era diferente, o que não contei é que “Eu posso olhar por dentro das pessoas”5 e das coisas, não é preciso ficar tão incrédulo como o meu Baltasar ficara. Agora sou conhecida como a «Voadora», mas a minha primeira alcunha foi-me dada pelo padre Bartolomeu, que na altura enunciara, “tu serás Sete-Luas porque vês às Escuras”6.
Todos somos singulares à nossa maneira, eu tenho apenas algo sobrenatural, cuja tamanha capacidade não requer preocupação, porque “Não vejo se não estiver em jejum”5. Ainda assim, este meu dom tem tanto de bom quanto de mau… Ai, as coisas que já vi, horrendas, atormentadas, mas também este dom me permitiu ajudar a construir a barca voadora a que se chamou Passarola,
pois conseguia “inspecionar a obra feita, descobrir a fraqueza
escondida do entrançado, a bolha de ar no interior do ferro”7 e recolher as duas mil vontades que nos permitiram voar. Isto foi durante a epidemia, tantas recolhi que adoeci, mas com a música de um outro amigo de nome Domenico Scarlatti, nutrida novamente fiquei.
A vida é só uma e toda ela cheia de altos e baixos. Basta olhar para mim, encontrei o amor da minha vida, amei-o incondicionalmente, perdi-o e reencontrei-o no seu momento final para recolher a sua vontade, estive às portas da morte, mas fui salva pela harmonia de um dos maiores músicos do meu século. Já me tentaram violar razão pela qual acabei por matar esse homem que caiu na tentação de tal monstruosidade, e era ele frade, mas coisas tristes não especificarei agora que estou inspirada. Já voei e vi o famoso convento de Mafra crescer do zero, vi por dentro e por cima.
Reparei agora que já fiz de quase tudo. Sei que vivi uma vida plena e extraordinária. Posso afirmar que O céu é o limite!
Referências Bibliográficas
6 – Capítulo IX, p.96