Viram os vídeos de Relatos de Viagem que publicámos há umas semanas?
Aqui fica um exemplo de texto deste género, retirado de um dos livros
do Projeto de Leitura, para relembrar.
Capítulo 66
Após três horas de marcha cheguei ao
cume do monte SpiónKop. A meus pés, o vale do rio Valdez estendia-se para norte
ao longo de vinte quilómetros, até à linha azul do lago Kami.
Uma sombra cobriu o Sol, o ar vibrou
num silvo. Dois condores tinham feito um voo picado sobre mim. Tive tempo de me
aperceber dos seus olhos vermelhos quando me tocaram de raspão. Planavam agora
abaixo do colo da montanha, mostrando as penas cinzentas do dorso. Descreveram
um círculo e elevaram-se de novo, aproveitando as rajadas de vento, até serem
apenas dois pontos negros no céu leitoso.
Os pontos negros aumentaram de
volume. Voltavam ao ataque. Picavam a direito contra o vento, sem se desviarem,
como caças visando o alvo, as cabeças negras orladas de penas brancas, as asas
firmes e as caudas em leque rebaixadas como freio de travagem, as garras
estendidas e abertas. Mergulharam sobre mim quatro vezes e, depois, tanto eles
como eu cansámo-nos da brincadeira.
De tarde, caí mesmo no rio. Ao
atravessar uma barragem feita por castores, pus o pé num tronco que me pareceu
sólido e catrapus! Caí de cabeça na lama viscosa e levei um tempo dos diabos
para de lá sair. Tinha, agora, de alcançar a estrada antes de anoitecer.
Voltei a encontrar o atalho que
avançava a direito, como um corredor, através do bosque sombrio. Segui o rasto
ainda fresco de um guanaco. Avistei-o várias vezes à minha frente, pulando por
cima dos troncos caídos. Aproximei-me. Tratava-se de um macho solitário, com
pelo enlameado e o peito talhado de cicatrizes. Tinha lutado e perdera. Agora,
também era um vagabundo sem eira nem beira.
Chatwin, Bruce – Na Patagónia. Quetzal Editores, 2009.
Repara nas marcas próprias
deste género:
ü Uso da primeira pessoa do singular
na flexão verbal (“cheguei”, “caí”, “pus”).
ü Uso da primeira pessoa do plural na
flexão verbal (“cansámo-nos”).
ü Uso de pronomes pessoais, como “eu”
ou “mim”.
ü Uso de determinantes possessivos (“meus
pés”, “Minha frente”).
ü Apelo às sensações,
maioritariamente visuais (nomeadamente nas descrições ricas dos condores),
mas também auditivas (“o ar vibrou num silvo”).
ü Partilha de experiências vividas
pelo narrador (“Caí de cabeça na lama viscosa e levei um tempo dos diabos
para de lá sair”), mas também de reflexões (“Tinha lutado e perdera. Agora,
também era um vagabundo sem eira nem beira”).
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