quinta-feira, 12 de maio de 2016

Relatos de Viagem

 Viram os vídeos de Relatos de Viagem que publicámos há umas semanas?
 
Aqui fica um exemplo de texto deste género, retirado de um dos livros
do Projeto de Leitura, para relembrar.
 
 
Capítulo 66
Após três horas de marcha cheguei ao cume do monte SpiónKop. A meus pés, o vale do rio Valdez estendia-se para norte ao longo de vinte quilómetros, até à linha azul do lago Kami.
Uma sombra cobriu o Sol, o ar vibrou num silvo. Dois condores tinham feito um voo picado sobre mim. Tive tempo de me aperceber dos seus olhos vermelhos quando me tocaram de raspão. Planavam agora abaixo do colo da montanha, mostrando as penas cinzentas do dorso. Descreveram um círculo e elevaram-se de novo, aproveitando as rajadas de vento, até serem apenas dois pontos negros no céu leitoso.
Os pontos negros aumentaram de volume. Voltavam ao ataque. Picavam a direito contra o vento, sem se desviarem, como caças visando o alvo, as cabeças negras orladas de penas brancas, as asas firmes e as caudas em leque rebaixadas como freio de travagem, as garras estendidas e abertas. Mergulharam sobre mim quatro vezes e, depois, tanto eles como eu cansámo-nos da brincadeira.
De tarde, caí mesmo no rio. Ao atravessar uma barragem feita por castores, pus o pé num tronco que me pareceu sólido e catrapus! Caí de cabeça na lama viscosa e levei um tempo dos diabos para de lá sair. Tinha, agora, de alcançar a estrada antes de anoitecer.
Voltei a encontrar o atalho que avançava a direito, como um corredor, através do bosque sombrio. Segui o rasto ainda fresco de um guanaco. Avistei-o várias vezes à minha frente, pulando por cima dos troncos caídos. Aproximei-me. Tratava-se de um macho solitário, com pelo enlameado e o peito talhado de cicatrizes. Tinha lutado e perdera. Agora, também era um vagabundo sem eira nem beira.
Chatwin, Bruce – Na Patagónia. Quetzal Editores, 2009.



 
Repara nas marcas próprias deste género:
 
ü Uso da primeira pessoa do singular na flexão verbal (“cheguei”, “caí”, “pus”).
ü Uso da primeira pessoa do plural na flexão verbal (“cansámo-nos”).
ü Uso de pronomes pessoais, como “eu” ou “mim”.
ü Uso de determinantes possessivos (“meus pés”, “Minha frente”).
ü Apelo às sensações, maioritariamente visuais (nomeadamente nas descrições ricas dos condores), mas também auditivas (“o ar vibrou num silvo”).
ü Partilha de experiências vividas pelo narrador (“Caí de cabeça na lama viscosa e levei um tempo dos diabos para de lá sair”), mas também de reflexões (“Tinha lutado e perdera. Agora, também era um vagabundo sem eira nem beira”).
 


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