"Porque escrevendo o homem do que não é certo, ou contará mais curto do que foi, ou falará mais largo do que deve; mas mentira em este volume, é muito afastada da nossa vontade. Ó! Com quanto cuidado e diligência vimos grandes volumes de livros, de desvairadas linguagens e terras; e isso mesmo públicas escrituras de muitos cartórios e outros lugares, nas quais depois de longas vigílias e grandes trabalhos, mais certidom haver não podemos da conteúda em esta obra."Crónica de D. João I, Prólogo
Ver CRÓNICA DE D. JOÃO I (excertos)
"Na Crónica de D. João I (primeira
e segunda partes) concentram-se os dois temas que elevam Fernão Lopes (c.1380 –
c.1459) a singular cronista dos finais da nossa Idade Média: o lugar privilegiado
concedido à História e ao Povo. As narrativas de Fernão Lopes, mormente a
referida, alteram radicalmente a conceção então praticada de história,
abandonando a narração das linhagens míticas e das aventuras fabulosas e
sobrenaturais próprias da Crónica Geral de Espanha,
de 1344, e do Livro de Linhagens do
Conde D. Pedro, [...] para
introduzirem um novo conceito de História enquanto relato empírico e vivencial
de situações sociais conflituosas, uma narrativa preocupada tanto com o rigor
documental quanto com o confronto de versões, trazendo para a construção da
história a escrupulosa minúcia verificante do tabelião-mor, que Fernão Lopes
também foi."
Miguel Real, disponível em e-cultura (Centro Nacional de Cultura)
Capítulo XI - síntese - «Fernão Lopes narra a forma como a população de Lisboa, incitada pelos apelos do Pajem e de Álvaro Pais para que acudissem ao Mestre, porque o estavam a matar nos Paços da Rainha, se armou, saiu em multidão pelas ruas da cidade e se dirigiu em grande alvoroço para aqueles, a que quis lançar fogo e arrombar as portas. Os gritos que se ouvem (“Matam o Mestre”) vai aumentando a revolta ao longo do capítulo e os populares juntam-se diante do paço, jurando incendiá-lo. Embora tenham gritado de dentro do paço que quem morreu foi o conde Andeiro, a população não acredita e os seus intentos só foram travados quando, aconselhado pelos seus partidários, o Mestre apareceu a uma janela à multidão(“Amigos, apacificai-vos”), que, reconhecendo, se acalmou, aclamando-o e insultando o conde Andeiro e a rainha.Posteriormente, questionam-no: “Que nos mandais fazer, senhor?”. Ele responde que já não precisa de ajuda e, no momento em que se vai sentar à mesa para comer com o conde de Barcelos, chega a notícia de que a multidão furiosa quer matar o bispo.» (in Sebenta Português 12º: https://docs.wixstatic.com/ugd/570a39_73068069ad6b47d491db47b113c6ccb9.pdf?index=true
Em Fernão Lopes há História e há
Literatura.
FL conseguiu nas suas Crónicas:
|
1. A conjugação entre:
- a compilação de fontes
diversificadas
- a investigação própria, original e crítica. |
2. Uma visão
abrangente da História, que integra já
uma consciência nacional, bem como a
ideia da História determinada pela ação dos atores individuais e coletivos -
a massa anónima, os sem rosto, a «arraia-miúda», como a designa. Na Crónica, há um sentimento coletivo, a
consciência de pertencer a uma mesma nação. A consciência nacional
resulta de os portugueses temerem a invasão castelhana e sentirem a independência do reino de Portugal ameaçada durante a
crise de 1383-1385. O povo, "a arraia-miúda", ganha a consciência de que tem um papel ativo e quer participar na condução dos destinos da sua nação:
O povo de Lisboa é
uma personagem a quem Fernão Lopes atribui um estatuto, características próprias, consciência de grupo - sofredor, corajoso, resistente, forte, mas também, irracional, destemperado, violento, disposto a tudo. |
3. Uma dimensão
estético-literária:
- captando emoções e sentimentos E tanta era a perturbação dele Começando a falar uns com os outros, alvoroçava-se-lhes o
coração E em
tudo isto era o tumulto tão grande ,que se não entendiam uns com os outros
- fazendo uma descrição sensorial, com planos gerais
e pequenos pormenores: Álvaro Pais, que estava prestes e armado com
uma coifa na cabeça, segundo uso daquele tempo Alguns bradavam por lenha e que viesse lume
para porem fogo aos paços e queimarem o traidor e a aleivosa. Outros
teimavam pedindo escadas para subir acima, para verem que era do Mostre começaram a bradar altas vozes
- recorrendo a metáforas, comparações, enumerações,
elementos simbólicos, E assim como viúva que rei não
tinha, como se lhe este ficara em lugar de marido, se moveram todos com mão
armada A cega sanha (=raiva; ira), que em tais feitos a nenhuma
cousa atende, começou a arder tanto nos entendimentos do povo começaram a trazê-lo para baixo e a insultá-lo e
empuxá-lo,
- deixando ouvir «as vozes do arroído», através do discurso direto: - Onde matam o Mestre? Que é do Mestre? Quem
fechou estas portas? - Acudamos ao
Mestre, amigos, acudamos ao Mestre, que é filho de el-rei D. Pedro! |
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