segunda-feira, 1 de junho de 2020

Cesário Verde - Cristalizações - uma descrição sensorial da cidade e das suas gentes

Vamos relembrar as tarefas desta semana.

Construção do monumento a D. Pedro V, no Rossio. Foi inaugurada em abril de 1870. Fotografia de Francesco Rocchini.

Vão ler e trabalhar um dos mais expressivos poemas de Cesário Verde, cujo excerto, constituído pelas nove estrofes iniciais, é objeto da Ficha das pp. 346-347.
Fica o poema completo, bem como uma gravação que podem ouvir AQUI. 
Tal como sugeri no nosso encontro, não se esqueçam de rever o que aprenderam sobre
  • A deambulação enquanto motivo poético
  • O real e a «visão de artista«:  objetividade e subjetividade 
  • Marcas narrativas 
  • Descrição sensorial - a presença e, por vezes, o cruzamento dos vários sentidos

Cristalizações

Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,

Vibra uma imensa claridade crua.

De cócoras, em linha, os calceteiros,

Com lentidão, terrosos e grosseiros,

Calçam de lado a lado a longa rua.

Como as elevações secaram do relento,

E o descoberto Sol abafa e cria!

A frialdade exige o movimento;

E as poças de água, como um chão vidrento,

Refletem a molhada casaria.

Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita,

Disseminadas, gritam as peixeiras;

Luzem, aquecem na manhã bonita,

Uns barracões de gente pobrezita

E uns quintalórios velhos com parreiras.

Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!

Tomam por outra parte os viandantes;

E o ferro e a pedra - que união sonora! -

Retinem alto pelo espaço fora,

Com choques rijos, ásperos, cantantes.

Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,

Cuja coluna nunca se endireita,

Partem penedos. Voam-lhe[s] estilhaços.

Pesam enormemente os grossos maços,

Com que outros batem a calçada feita.

A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!

Que espessos forros! Numa das regueiras

Acamam-se as japonas, os coletes;

E eles descalçam com os picaretes,

Que ferem lume sobre pederneiras.

E nesse rude mês, que não consente flores,

Fundeiam, como esquadra em fria paz,

As árvores despidas. Sóbrias cores!

Mastros, enxárcias, vergas! Valadores

Atiram terra com as largas pás.

Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente! -

Carros de mão, que chiam carregados,

Conduzem saibro, vagarosamente;

Vê-se a cidade, mercantil, contente:

Madeiras, águas, multidões, telhados!

Negrejam os quintais, enxuga a alvenaria;

Em arco, sem as nuvens flutuantes,

O céu renova a tinta corredia;

E os charcos brilham tanto, que eu diria

Ter ante mim lagoas de brilhantes!

E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos,

Eu tudo encontro alegremente exato.

Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.

E tangem-me, excitados, sacudidos,

O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!

Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem

De tão lavada e igual temperatura!

Os ares, o caminho, a luz reagem;

Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;

Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.

Mal-encarado e negro, um para enquanto eu passo,

Dois assobiam, altas marretas

Possantes, grossas, temperadas de aço;

E um gordo, o mestre, com um ar ralaço

E manso, tira o nível das valetas.

Homens de carga! Assim as bestas vão curvadas!

Que vida tão custosa! Que diabo!

E os cavadores pousam as enxadas,

E cospem nas calosas mãos gretadas,

Para que não lhes escorregue o cabo.

Povo! No pano cru rasgado das camisas

Uma bandeira penso que transluz!

Com ela sofres, bebes, agonizas;

Listrões de vinho lançam-lhe divisas,

E os suspensórios traçam-lhe uma cruz!

De escuro, bruscamente, ao cimo da barroca,

Surge um perfil direito que se aguça;

E ar matinal de quem saiu da toca,

Uma figura fina, desemboca,

Toda abafada num casaco à russa.

Donde ela vem! A atriz que tanto cumprimento

E a quem, à noite na plateia, atraio

Os olhos lisos como polimento!

Com seu rostinho estreito, friorento,

Caminha agora para seu ensaio.

E aos outros eu admiro os dorsos, os costados

Como lajões. Os bons trabalhadores!

Os filhos das lezírias, dos montados:

Os das planícies, altos, aprumados;

Os das montanhas, baixos, trepadores!

Mas fina de feições, o queixo hostil, distinto,

Furtiva a tiritar em suas peles,

Espanta-me a atrizita que hoje pinto,

Neste dezembro enérgico, sucinto,

E nestes sítios suburbanos, reles!

Como animais comuns, que uma picada esquente,

Eles, bovinos, másculos, ossudos,

Encaram-na sanguínea, brutalmente:

E ela vacila, hesita, impaciente

Sobre as botinhas de tacões agudos.

Porém, desempenhando o seu papel na peça,

Sem que inda o público a passagem abra,

O demonico arrisca-se, atravessa

Covas. entulhos, lamaçais, depressa,

Com seus pezinhos rápidos, de cabra!

Cesário Verde


Lembrar: tarefas para esta semana
semana de 1 a 5 de junho
Ficha formativa – educação literária 
 
Leitura + Gramática
Manual, pp. 346-347 Grupo I 
 
pp. 348-349
Questionário oral; discussão/partilha de reflexões e esclarecimento de dúvidas
 


Correção da ficha
TEAMS (no horário de cada uma das turmas)
 
 
 
 
Cenários de resposta (blogue - a 5/06)

2 comentários:

Noémia Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Noémia Santos disse...

Atenção, porque alguém pode ter feito impressão do poema

Na versão anterior fora usada uma fixação de texto diferente da do vosso Manual.

Agora está alterado, para a mesma edição - a da Relógio D´´Agua, 2006.