quinta-feira, 29 de março de 2012

A Cidade e as Serras + Revisões

Trabalho de reforço do estudo

Para todos os alunos, em particular para os que tiveram nota inferior a 10 no exercício escrito sobre a Cidade e as Serras, proponho as seguintes tarefas para recuperar terreno:

- Questionário online, publicado em 23 de Fevereiro (verificação de leitura)

- Releitura do capítulo VI (no livro ou online, no blog)

- Síntese das ideias do cap. VI, apoiada em exemplos do texto

- Análise do cap. VIII: sintetizar e tirar conclusões sobre o que leva Jacinto à decisão tomada; relacionar com cap. VI; registar principais elementos relativos à Viagem; tirar 6 exemplos caraterísticos da escrita queirosiana (depois de rever os apontamentos de aula).
- Ficha sobre caraterísticas e elementos do texto narrativo (ver "post")


Qualquer dúvida, ponham em comentários e eu responderei.
Mandem/publiquem ou levem no caderno no 1º dia de aulas.
Vai valer a pena!

quarta-feira, 21 de março de 2012

Correção completa


Para completar o trabalho de aula e responder às dúvidas colocadas, fica a correção mais detalhada do exercício.
Chamo a atenção (nos pontos mais frequentemente observados, sublinhei a amarelo) para o caso abordado em aula das respostas que se desviam do pedido ou da repetição de informação em questões diferentes.

Registe no caderno as dúvidas e/ou aspetos que queira ver explicados de novo.



I
100 pontos
(15+15+20+20+30)

Responda às perguntas de forma completa.
1. Identifique e caraterize o narrador, apoiado em três exemplos deste excerto.
Tópiscos de resposta:
O narrador é José Fernandes, amigo de Jacinto, acerca do qual revela preocupação; apresenta-se supreendido com o ambiente, admirado com as maravilhas técnicas, de conforto e de luxo do 202.
Apoiar a resposta com 3 exemplos relacionados com a caraterização.

2. Classifique o narrador quanto à presença e à focalização. Justifique.
O narrador é participante, em 1ª pessoa - um narrador-personagem: além de contar a história na primeira pessoa, faz parte dela. É marcado por características subjetivas, opiniões em relação aos factos que narra e aos ambientes que descreve.
Neste execerto, o narrador recorre a uma focalização externa, pois revela as características exteriores da personagem de Jacinto e apresenta o espaço físico onde decorre a ação.


3. Exponha a forma como a ideia de «Civilização», defendida por Jacinto, se concretiza no 202. Sustente a resposta com pelo menos quatro exemplos textuais.
- Relacionar as ideias de progresso, civilização e cidadania defendidas por Jacinto com os progressos técnicos e mecânicos presentes no 202 - do elevador, aos vários aparelhos domésticos, ou ao teatrofone.
- Estabelecer a conclusão - Jacinto rodeia-se do máximo progresso, e da suma ciência pra assim alcançar a felicidade. Como bem deteta Zé Fernandes, o aspeto exterior de Jacinto parece revelá-lo mais abatido e infeliz.


  1. Explicite quatro efeitos expressivos essenciais na descrição do ambiente, apoiado nos respetivos exemplos.
Referir quatro dos seguintes processos, e respetivos exemplos do texto:
- Dupla adjetivação
- Advérbio de modo com valor expressivo
- Verbos usados com valor expressivo e caraterizador
- Hipálage
- Comparação
- Enumeração
- Descrição sensorial visualista, com destaque dos pormenores visuais (cores, formas...)
- Dimunutivo com valor expressivo satírico/crítico

Notas:
Não têm valor para a resposta, sendo cotadas com zero, referências desgarradas a recursos expressivos/figuras de estilo sem relação evidente com a descrição do ambiente. O mesmo acontece com referências genéricas a recursos, sem o respetivo exemplo.

  1. Num texto de 80 a 120 palavras, faça uma apreciação global do excerto, relacionando com o capítulo I e integrando-o no contexto histórico-cultural a que pertence.
- Análise global do excerto - descrição do 202 como um templo do Progresso e da técnica mais avançada - "uma estranha e miúda legião de instrumentozinhos"; sua relação com a teoria defendida; aspeto físico de Jacinto a contradizer a suposta/previsível «felicidade»; referência à fórmula Suma Ciência x Suma Potência = Suma Felicidade...
- Contexto - último quartel do século XIX - principais inventos e descobertas - eletricidade, telefone, telégrafo, etc.; época de grande progresso civilizacional e técnico; crença nas potencialidades da ciência e da técnica para melhorar a vida dos indivíduos e garantir mais felicidade

II
50 pontos (5x10)

As questões que se seguem têm por base o texto de A Cidade e as Serras (grupo I)

1. Indique o antecedente do elemento sublinhado na frase: “Nelas repousavam mais de trinta mil volumes”(4º parágrafo)
O antecedente é "as estantes monumentais" ou "estantes monumentais"

2. Classifique a oração introduzida pelo «que» em “Reparei então que o meu amigo emagrecera” (parág. 9).

Oração subordinada substantiva completiva ou subordinada substantiva completiva


3. Classifique o recurso presente na expressão sublinhada em “bigode, murcho, caído em fios pensativos”, esclarecendo em que consiste a sua expressividade.
Hipálage; altera-se semanticamente o sentido, atribuindo a um nome ("fios" [do bigode]) uma qualidade ("pensativos") que logicamente pertence a outro nome da mesma frase ("o meu amigo" = Jacinto).


4. Refira o ato ilocutório em que assenta a frase “Para aqui, Zé Fernandes, para aqui!”, justificando.
Ato ilocutório diretivo - o locutor, Jacinto, quer que o interlocutor, Zé Fernandes, realize uma acção: neste caso responda a um pedido para que se sente com ele para conversarem.
5. Explique a expressividade no uso dos verbos, baseado nos dois exemplos seguintes.

“Na antecâmera, onde desembarcamos” (1º parág.)
“Jacinto batia nas almofadas do divã, onde se enterrara com um modo cansado”.
- Associar os verbos à descrição/caraterização das personagens
- Salientar o seu valor expressivo - o ganho de sentido concreto, em cada um dos casos
Pode referir, por ex:
No primeiro exemplo, o verbo "desembarcar" expressa uma ideia de grandeza, como se a antecâmara fosse um «cais»; no segundo caso, a forma verbal «enterrara» dá a dimensão do aborrecimento e cansaço de Jacinto - o sofá era uma cova, ele mandava-se para lá, sem vida, inativo.

III (DESENVOLVIMENTO - TEXTO EXPOSITIVO-ARGUMENTATIVO)
50 pontos (30+20)

Obrigatório, no texto de 200 a 300 palavras:

CONTEÚDO
- exposição das ideias sobre o tema
- demonstração do conhecimento da obra respetiva (Frei Luís de Sousa ou A Cidade e as Serras)
- relação com a atualidade - questionar, de forma pessoal, se o tema tratado mantém ou não relevância na atualidade, explicando a posição tomada

FORMA
- apresentar claramente as partes seguintes: desenvolvimento (1 parág.), desenvolvimento (2 a 4 parág.), conclusão (1 parág.)
- usar vocabulário adequado ao tema escolhido
- cumprir as regras da língua.

Atenção: são pontuados com zero, as respostas que apresentem:
- menos de 80 palavras
- desvio evidente do tema

terça-feira, 20 de março de 2012

Responda às perguntas de forma completa.

1. Identifique e caraterize o narrador, apoiado em três exemplos deste excerto.
Tópicos de resposta:
O narrador é José Fernandes, amigo de Jacinto, acerca do qual revela preocupação; apresenta-se supreendido com o ambiente, admirado com as maravilhas técnicas, de conforto e de luxo do 202.
Apoiar a resposta com 3 exemplos relacionados com a caraterização.

2. Classifique o narrador quanto à presença e à focalização. Justifique.
O narrador é participante, em 1ª pessoa - um narrador-personagem: além de contar a história na primeira pessoa, faz parte dela. É marcado por características subjetivas, opiniões em relação aos factos que narra e aos ambientes que descreve.
Neste execerto, o narrador recorre a uma focalização externa, pois revela as características exteriores da personagem de Jacinto e apresenta o espaço físico onde decorre a ação.


3. Exponha a forma como a ideia de «Civilização», defendida por Jacinto, se concretiza no 202. Sustente a resposta com pelo menos quatro exemplos textuais.
- Relacionar as ideias de progresso, civilização e cidadania defendidas por Jacinto com os progressos técnicos e mecânicos presentes no 202 - do elevador, aos vários aparelhos domésticos, ou ao teatrofone.
- Estabelecer a conclusão - Jacinto rodeia-se do máximo progresso, e da suma ciência pra assim alcançar a felicidade. Como bem deteta Zé Fernandes, o aspeto exterior de Jacinto parece revelá-lo mais abatido e infeliz.

  1. Explicite quatro efeitos expressivos essenciais na descrição do ambiente, apoiado nos respetivos exemplos.
Referir quatro dos seguintes processos, e respetivos exemplos do texto:
- Dupla adjetivação
- Advérbio de modo com valor expressivo
- Verbos usados com valor expressivo e caraterizador
- Hipálage
- Comparação
- Enumeração
- Descrição sensorial visualista, com destaque dos pormenores visuais (cores, formas...)
- Dimunutivo com valor expressivo satírico/crítico

Notas:
Não têm valor para a resposta, sendo cotadas com zero, referências desgarradas a recursos expressivos/figuras de estilo sem relação evidente com a descrição do ambiente
O mesmo acontece com referências genéricas a recursos, sem o respetivo exemplo.

  1. Num texto de 80 a 120 palavras, faça uma apreciação global do excerto, relacionando com o capítulo I e integrando-o no contexto histórico-cultural a que pertence.
- Análise global do excerto - descrição do 202 como um templo do Progresso e da técnica mais avançada - "uma estranha e miúda legião de instrumentozinhos"; sua relação com a teoria defendida; aspeto físico de Jacinto a contradizer a suposta/previsível «felicidade»; referência à fórmula Suma Ciência x Suma Potência = Suma Felicidade...
- Contexto - último quartel do século XIX - principais inventos e descobertas - eletricidade, telefone, telégrafo, etc.; época de grande progresso civilizacional e técnico; crença nas potencialidades da ciência e da técnica para melhorar a vida dos indivíduos e garantir mais felicidade


II

As questões que se seguem têm por base o texto de A Cidade e as Serras, do grupo I.

1. Indique o antecedente do elemento sublinhado na frase: “Nelas repousavam mais de trinta mil volumes”(4º parágrafo)

O antecedente é "as estantes monumentais" ou "estantes monumentais"

2. Classifique a oração introduzida pelo «que» em “Reparei então que o meu amigo emagrecera” (parág. 9).

Oração subordinada substantiva completiva ou subordinada substantiva completiva

3. Classifique o recurso presente na expressão sublinhada em “bigode, murcho, caído em fios pensativos”, esclarecendo em que consiste a sua expressividade.

Hipálage; altera-se semanticamente o sentido, atribuindo a um nome ("fios" [do bigode]) uma qualidade ("pensativos") que logicamente pertence a outro nome da mesma frase ("o meu amigo" = Jacinto).

4. Refira o ato ilocutório em que assenta a frase “Para aqui, Zé Fernandes, para aqui!”, justificando.
Ato ilocutório diretivo - o locutor, Jacinto, quer que o interlocutor, Zé Fernandes, realize uma acção: neste caso responda a um pedido para que se sente com ele para conversarem.

pedido (ii) e cumpra uma ordem


5. Explique a expressividade no uso dos verbos, baseado nos dois exemplos seguintes.

“Na antecâmera, onde desembarcamos” (1º parág.)

“Jacinto batia nas almofadas do divã, onde se enterrara com um modo cansado”.


III (DESENVOLVIMENTO - TEXTO EXPOSITIVO-ARGUMENTATIVO)

Exercício sobre elementos da narrativa

Imagens da Serra de Sintra, espaço descrito em várias obras de Eça de Queirós

 
Faz o exercício seguinte. No final, consulta o "post" com a revisão da matéria respetiva e/ou os apontamentos e o Manual, para corrigires o teu trabalho.

Tendo sobretudo como referência A Cidade e as Serras, coloca V (verdadeiro) ou F (falso), de acordo com a veracidade ou falsidade das afirmações que se seguem, as quais se referem ao romance e ao conto, em geral:

1.Texto narrativo
1.1.O romance é um texto narrativo.

1.2.O texto narrativo não inclui a descrição.

1.3.O relato de acontecimentos caracteriza o texto narrativo.
1.4.O texto narrativo caracteriza-se por ter personagensacção.
1.5.Justifica as tuas opções.



2.Acção

2.1. A acção consiste nos acontecimentos produzidos ou sofridos pelas personagens.
2.2. A acção fechada revela-nos o destino final das personagens.

2.3. A acção é aberta quando se refere ao passado do protagonista.

2.4. A acção é constituída por sequências de acontecimentos.

2.5. A acção pressupõe um princípio, um meio e um fim, em sequências encadeadas.


3. Personagens
3.1. O narrador é sempre uma personagem.

3.2. As personagens podem ser individuais ou tipos.
3.3. As personagens complexas são aquelas que são definidas por um traço que as acompanha durante todo o texto.

3.4. As personagens que apresentam uma multiplicidade de traços caracterizadores aproximam-se do ser humano.
Espaços físico, social e psicológico
4.1. O espaço físico é constituído pelo conjunto de locais onde decorre a acção.
4.2. O espaço físico é sempre interior.
4.3. O espaço social relaciona-se com o meio em que as personagens se movimentam.
4.4. O espaço social serve, muitas vezes, uma intenção crítica.
4.5. As atitudes das personagens são, geralmente, condicionadas pelo espaço social.
4.6. O espaço psicológico contribui para a caracterização das personagens.

4.7. O espaço psicológico revela-se nas atitudes das personagens, causando o avanço da acção.


5. Tempo da história, tempo histórico, tempo do discurso, tempo psicológico
5.1. O tempo histórico é o tempo cronológico em que decorre a acção.
5.2. O tempo da história liga-se à época em que a acção tem lugar.
5.3. No romance, existem referências ao tempo histórico.

5.4. O tempo da história é assinalado, no romance, através de indicadores temporais.
5.5. O tempo do discurso associa-se à forma como o narrador relata os acontecimentos.

5.6. O tempo do discurso pode não ser linear; pode registar prolepses ou analepses.
5.7. O narrador pode omitir o que se passou durante um determinado período temporal.

5.8. O tempo psicológico é a forma como as personagens sentem a passagem do tempo.
5.9. Ao tempo objectivo, vivido pelas personagens, chama-se tempo psicológico.


6. Tipo(s) de narrador
6.1. Um romance pode apresentar um narrador heterodiegético.
6.2. Em A Cidade e as Serras, o narrador é autodiegético.

6.3. O narrador nunca é uma personagem do romance.


7. Focalização da narrativa

7.1. Na focalização omnisciente, o narrador sabe tanto como as outras personagens.

7.2. Na focalização interna, o narrador conhece os sentimentos e pensamentos das personagens.

7.3. Na focalização heterodiegética, o narrador relata a história na primeira pessoa e participa nela.

7.4. Na focalização heterodiegética, o narrador descreve o aspecto físico das personagens (fisionomia, traje, etc.).
7.5.O narrador heterodiegético identifica-se com o autor.

7.6. Na focalização omnisciente, o narrador tem um conhecimento parcial dos acontecimentos e das personagens.
7.7. Na focalização heterodiegética, o narrador conta a história, mas é exterior a ela.
7.8. A focalização da narrativa consiste na emissão de juízos por parte do narrador.

Imagens - Serra de Sintra, Convento dos Capuchos. Passeio da ESHN, 2011. Noémia Santos. 
Fonte do exercício: www.anossaescola.com (adaptado e com cortes)

segunda-feira, 5 de março de 2012

A grande reflexão sobre a Cidade


Capítulo 6(...)
Então chasqueei risonhamente o meu Príncipe. Aí estava pois a Cidade, augusta criação da Humanidade. Ei-la aí, belo Jacinto! Sobre a crosta cinzenta da Terra –uma camada de caliça, apenas mais cinzenta! No entanto ainda momentos antes adeixáramos prodigiosamente viva, cheia dum povo forte, com todos os seuspoderosos órgãos funcionando, abarrotada de riqueza, resplandecente desapiência, na triunfal plenitude do seu orgulho, como Rainha do Mundo coroada deGraça. E agora eu e o belo Jacinto trepávamos a uma colina, espreitávamos,escutávamos – e de toda a estridente e radiante Civilização da cidade nãopercebíamos nem um rumor nem um lampejo! E o 202, o soberbo 202, com os seus arames, os seus aparelhos, apompa da sua Mecânica, os seus trinta mil livros? Sumido, esvaído na confusão detelha e cinza! Para este esvaecimento pois da obra humana, mal ela se contemplade cem metros de altura, arqueja o obreiro humano em tão angustioso esforço?Hem, Jacinto?... Onde estão os teus Armazéns servidos pôr três mil caixeiros? E osBancos em que retine o ouro universal? E as Bibliotecas atulhadas com o saberdos séculos? Tudo se fundiu numa nódoa parda que suja a Terra. Aos olhos piscosde um Zé Fernandes, logo que ele suba, fumando o seu cigarro, a uma arredadacolina – a sublime edificação dos Tempos não é mais que um silencioso monturoda espessura e da cor do pó final. O que será então aos olhos de Deus! E anteestes clamores, lançados com afável malícia para espicaçar o meu Príncipe, elemurmurou, pensativo:
-Sim, é talvez tudo uma ilusão... E a Cidade a maior ilusão!Tão facilmente vitorioso redobrei de facúndia. Certamente, meu Príncipe, umaIlusão! E a mais amarga, porque o Homem pensa Ter na Cidade a base de toda asua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto!Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse serressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles comotrapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós, comdentaduras de chumbo, sem sangue, sem febra, sem viço, torto, corcunda – esseser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobreAdão! Na Cidade findou a sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe umanecessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência; pobre esubalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; erico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições,preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que osdum cárcere ou dum quartel... A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus comele recompensa os Santos ) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro! Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar – e que, nunca fartandoo desejo, incessantemente padecem de desilusão, desesperança ou derrota? Os sentimentos mais genuinamente humanos logo na Cidade se desumanizam! Vê,meu Jacinto! São como luzes que o áspero vento do viver social não deixa arder com serenidade e limpidez; e aqui abala e faz tremer; e além brutamente apaga;e adiante obriga a flamejar com desnaturada violência. As amizades nunca passamde alianças que o interesse, na hora inquieta da defesa ou na hora sôfrega doassalto, ata apressadamente com um cordel apressado, e que estalam ao menorembate da rivalidade ou do orgulho. E o Amor, na Cidade, meu gentil Jacinto? Considera esses vastos armazéns com espelhos, onde a nobre carne de Eva sevende, tarifada ao arrátel, como a de vaca! Contempla esse velho Deus doHimeneu, que circula trazendo em vez do ondeante facho da Paixão a apertadacarteira do Dote! Espreita essa turba que foge dos largos caminhos assoalhadosem que os Faunos amam as Ninfas na boa lei natural, e busca tristemente osrecantos lôbregos de Sodoma ou de Lesbos!... Mas o que a cidade mais deteriorano homem é a Inteligência, porque ou lha arregimenta dentro da banalidade oulha empurra para a extravagância. Nesta densa e pairante camada de Idéias eFórmulas que constitui a atmosfera mental das Cidades, o homem que a respira,nela envolto, só pensa todos os pensamentos já pensados, só exprime todas asexpressões já exprimidas: - ou então, para se destacar na pardacenta e chataRotina e trepar ao frágil andaime da gloríola, inventa num gemente esforço,inchando o crânio, uma novidade disforme que espante e que detenha a multidãocomo um monstrengo numa feira. Todos, intelectualmente, são carneiros,trilhando o mesmo trilho, balando o mesmo balido, com o focinho pendido para apoeira onde pisam, em fila, as pegadas pisadas; - e alguns são macacos, saltandono topo de mastros vistosos, com esgares e cabriolas. Assim, meu Jacinto, naCidade, nesta criação tão antinatural onde o solo é de pau e feltro e alcatrão, e ocarvão tapa o céu, e a gente vive acamada nos prédios como o paninho nas lojas,e a claridade vem pelos canos, e as mentiras se murmuram através de arames – ohomem aparece como uma criatura antihumana, sem beleza, sem força, semliberdade, sem riso, sem sentimento, e trazendo em si um espírito que é passivocomo um escravo ou impudente como um Histrião... E aqui tem o belo Jacinto oque é a bela Cidade!

E ante estas encanecidas e veneráveis invectivas,retumbadas pontualmente pôr todos os Moralistas bucólicos, desde Hesíodo,através dos séculos – o meu Príncipe vergou a nuca dócil, como se elasbrotassem, inesperadas e frescas, duma Revelação superior, naqueles cimos de Montmartre:
-Sim, com efeito, a Cidade... É talvez uma ilusão perversa!