segunda-feira, 4 de abril de 2016

Camões no Oriente

Biografia e iconografia de Camões

"O chamado retrato de Camões na prisão foi revelado por Maria Antonieta Soares de Azevedo em 1972 (...).
Sendo um testemunho muito importante, este retrato não é propriamente uma obra de arte. A peça é de execução tão imperfeita quanto colorida. O desenho é tosco e desajeitado, com flagrantes erros de perspectiva e de escala. Mostra um Camões arruivado, de guias do bigode assimétricas, sentado a uma mesa, segurando uma travessa na mão direita e uma pequena peça escura na esquerda. Estará prestes a trabalhar num dos cantos de Os Lusíadas (o décimo para Maria Antonieta Soares de Azevedo).
 
O poeta parece dispor de um certo "conforto intelectual": vemos vários cartapácios na parede, pode consultar uma carta geográfica que tem perto de si, certamente para verificar qualquer afirmação ou referência do poema. Mas o gibão está roto na manga esquerda e a comida representada não parece abundante, não percebendo bem que objecto mostra na mão esquerda.
Pode confirmar-se que ele está a trabalhar no Canto X exactamente por ter aquela carta geográfica aberta para consulta. Isto porque, n"Os Lusíadas, na descrição geográfica da Europa, feita no Canto III (6-20), não faria qualquer sentido serem representadas as embarcações que ali são figuradas. Não assim na longa descrição geográfica da Ásia feita no Canto X (10-73), entremeada com as profecias dos feitos dos portugueses. Embarcações semelhantes às representadas nessa carta, movidas à vela (com a cruz de Cristo) e a remos, podem ver-se desenhadas no Roteiro do Mar Roxo, de D. João de Castro.
 
Não sabemos se a prisão em que o poeta se encontra é a de Goa ou a da Ilha de Moçambique. Seria muito perto da água, uma vez que, da cela, se avistam dois mastros de navio pela janela do lado esquerdo. Na planta de Linschoten (1596), vemos que o tronco [a cadeia] de Goa não ficava propriamente à beira da água, mas mais recuado. Já na Ilha de Moçambique, que é uma estreita língua de terra, de 3 km de comprimento com uma largura entre os 300 e os 500 m, seria praticamente impossível não estar junto à água, o que explicaria a proximidade das embarcações.
No cartão que constitui a parte de trás do retrato, informa-se o seguinte, em letra que pode ser do século XVI: "Luis de Camões prezo e tendo aos pés quem quis perdelo. Pintado nas Indias e foi do propio." (...)
O poeta regressou ao reino em 1570. Embora não se saiba a que título, é de conjecturar que o retrato, que "foi do próprio", tenha entrado na posse [de] Vasco Fernandes Homem [que foi contemporâneo de Camões e esteve com ele na Ilha de Moçambique em 1569] nessa ocasião, por oferecimento do poeta ou a qualquer outro título, o que explicaria tenha mais tarde passado às mãos de seu neto, o Dr. Gregório Fernandes Homem.
Por sua vez, a nota que se encontra no verso, "Luís de Camões preso e tendo aos pés quem quis perde-lo", permite deduzir que o borrão que impede se reconheça "quem quis perdê-lo" só ocorreu posteriormente à feitura de tal inscrição."

VASCO GRAÇA MOURA (2013)
Poeta e tradutor; grande conhecedor da obra camoniana.
 
 
1. Depois de observar a reprodução do quadro dito «Camões na prisão», lê atentamente a descrição e as considerações de Vasco Graça Moura sobre o mesmo.
2. Integra os elementos biográficos aqui referidos na biografia de Camões, sobre a qual trabalhaste no 2º péríodo (pp. 148-149 do Manual).  

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