quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Frei Luís de Sousa - um Diário de Telmo Pais

Diário de Telmo Pais



Já haviam passado 21 anos desde o desaparecimento de D. João de Portugal, meu amo, na batalha de Alcácer Quibir. A batalha que mudou tanto a minha vida como a de D. Madalena, dama que sempre cuidei após aquela fatídica batalha e que ao fim de sete anos se casou com Manuel de Sousa, um honroso fidalgo português. 

Hoje encontrei D. Madalena murmurando algo sobre o livro que tinha pousado a seu lado. Ela falou comigo para não falar com Maria sobre coisas menos próprias para a sua idade, pois tinha receio de lhe suscitarem mais curiosidade e sabia que aquela menina me tinha em muito boa consideração. 

Posto isto, revelei-lhe que Maria era muito especial para mim e que desde cedo ganhei um carinho especial por ela, pois à semelhança de D. João de Portugal, fui eu que eduquei aquela donzela que a meu ver não sabia de nada que não lhe fosse merecido saber. No decorrer da discussão acabei por magoar D. Madalena, ao ter-lhe dito que Maria era digna de ter nascido em melhor estado, num ato impulsivo guiado pela minha consideração por aquela menina. D. Madalena disse que me tinha em grande louvor e que após o desaparecimento de D. João de Portugal viu em mim um amparo. Disse também que durante os sete anos de viuvez nunca desistira de procurar o meu amo sem se poupar a esforços, mas agora, 21 anos depois de seu desaparecimento e 14 após casar com Manuel de Sousa não acreditava na volta de meu senhor, apesar da carta escrita por ele, carta essa que me está tão presente na mente que é impossível esquecer aquelas palavras, “vivo ou morto, Madalena, hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo”. 

Após esta discussão, Maria chegou diante de nós perguntando pelo romance que lhe havia prometido tendo eu reduzindo as suas esperanças no regresso de D. Sebastião, conforme me tinha pedido D. Madalena, tendo posteriormente me despedido de Maria que estava a ferver em febre e me retirado. 

Manuel de Sousa regressou hoje de Lisboa com notícias de que saíra uma comitiva de fidalgos e escudeiros em direção à vila. Eram os governadores que saíram de Lisboa para fugir aos ares da peste e que tinham escolhido como aposentadoria o palacete de Manuel. Sabendo disso, Manuel de Sousa ordenou que todos saíssemos daquela casa antes da chegada da comitiva e que nos movêssemos para a casa de D. João de Portugal, casa esta que trazia más memórias a D. Madalena, mas que era a única opção disponível naquele momento. Antes de deixar a casa, Manuel de Sousa tomou a honrosa atitude de incendiar a sua própria casa para que os governadores não a ocupassem, como exemplo aos outros fidalgos portugueses. 

Hoje, passados oito dias da nossa chegada à residência do meu amo, Maria pediu para falar comigo. D. Madalena não dormia desde a nossa chegada e aquela era a primeira noite de descanso que encontrava. Maria disse-me que sempre que fechava os olhos tinha pesadelos com as chamas e o fumo que devastaram a sua casa e que ficava aterrorizada ao pensar que o facto do quadro de seu pai ter ardido representaria a vinda de um mal maior sobre ele. Maria tentava animar sua mãe, embora acreditasse fielmente nisso e que para além dessa desgraça cair sobre seu pai, também cairia por sua mãe. 
Claro que tudo o que Maria me disse me deixou inquieto, mas mantive uma postura forte para a tentar tranquilizar. Depois disso, Maria apontou para o retrato do meu amo e perguntou quem era aquela figura, tendo eu respondido que era um dos senhores da casa de Vimioso, com uma grande angústia minha, mas era necessário para não lhe aguçar mais o espírito e a curiosidade. Maria com a sua perspicácia percebeu que não lhe dizia a verdade e acabei por lhe dizer que era de um cavaleiro da família de outro amo meu e quando me perguntou seu nome percebeu a minha hesitação e pediu que me calasse para não lhe mentir. Tentei mudar o rumo da conversa, mas sem sucesso e Maria continuou a apreciar os retratos e a questionar-me acerca deles. 

Sem que eu desse conta, Manuel de Sousa entrou e disse que aquele era D. João de Portugal, um honrado fidalgo e valente cavaleiro. Mais tarde encontrei Maria, D. Madalena, Manuel de Sousa e Frei Jorge na sala. D. Madalena encarregou-me de acompanhar Maria e Manuel a Lisboa, pois Madalena ainda não estava bem e Maria estava ansiosa por conhecer a sua tia, D. Joana.
Hoje estou muito preocupado com Maria. Não está nada bem e anda sempre a ferver em febre, sinto que está tão fraca… Mas recebi notícias de Frei Jorge de um contacto que me daria informações sobre o meu amo, o meu D. João! Assim que o Irmão de quem Frei Jorge me tinha falado veio ao meu encontro, eu senti que o meu D. João de Portugal estava vivo!

Mas ao mesmo tempo percebo que tudo o que eu sempre quis e sempre esperei na minha vida não passava de uma mera ilusão. O amor que eu julgava inquestionável e infinito por meu amo tinha sido superado pelo amor que ganhei por aquela menina. O amor desta última filha é mais forte e venceu, venceu, apagou o outro. 

Após esta reflexão, entrou o romeiro que perguntou para quem eram as minhas preces, se eram para o meu antigo amo, mas eram obviamente para Maria, a única pessoa por quem eu consigo rogar. A voz do romeiro de imediato me foi familiar e eu mal podia acreditar que estava perante o meu amo D. João de Portugal, 21 anos depois de desaparecer. Apenas o consegui reconhecer devido à sua voz pois a sua aparência estava completamente mudada. Contou-me a sua história e o porque do seu desaparecimento, mas nem isso mudou o que sentia, mesmo depois de dizer que Deus apenas não pôs termo à sua vida para ele poder voltar a falar comigo pelo menos uma vez. Depois de falarmos, pediu que dissesse que o peregrino era só fachada e que nada passava de obras dos inimigos de Manuel de Sousa, que esquecesse o sucedido e que fosse feliz. 

Senti-me horrivelmente por ter de negar meu amo e senti-me culpado por o trair no momento em que esperava contar com toda a minha fidelidade, mas D. João já não era o meu amo de maior amor. Ele pediu-me um abraço e foi-se embora afirmando que ainda iria ter notícias dele. 

Depois da saída do meu amo, D. Madalena chamava por Manuel e dizia que a decisão que iriam tomar estava a ser precipitada. Madalena pediu que fosse ter com Maria que não se encontrava nada bem. Pouco depois, a minha pobre menina acabaria por me morrer, deixando no meu coração um vazio impossível de preencher. Pela segunda vez na minha pobre vida tinha perdido a pessoa que mais desejava que vivesse.


Pedro F. D.
11ºB

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