quinta-feira, 27 de abril de 2023

Os Maias: Carlos da Maia - uma biografia

Minissérie Os Maias estreia no catálogo do Globoplay

 Carlos Eduardo da Maia é um dos personagens principais do romance “Os Maias” de Eça de Queirós, publicado em 1888, e representa a elite da sociedade portuguesa no final do século XIX. É filho de Pedro da Maia, um homem medroso, “nervoso”, de certa “fraqueza” e que possuía uma “linda face oval de um trigueiro cálido, dois olhos maravilhosos e irresistíveis” que o assemelhavam a “um belo árabe”, e de Maria Monforte, uma mulher loira e de beleza avassaladora. É neto de Afonso da Maia, um “velho já, quase um antepassado, mais idoso que o século” que defendia o liberalismo. 


Devido ao suicídio do seu pai, Carlos é criado pelo avô em Santa Olávia, na Quinta do Douro. Afonso queria que o seu neto recebesse a educação que não conseguiu dar ao filho para que este viesse a “ser útil ao seu país”, para isso, chama o Sr. Brown para educar o neto à inglesa. O Sr. Brown por sua vez dá primazia ao exercício físico - “Primeiro forrça! Forrça! Músculo...”, e às regras duras que Afonso impõe ao neto. Além do exercício físico, o ensino de Carlos tem como base o contato com a natureza — “(…) correr, cair, trepar às árvores, molhar-se, apanhar soalheiras”; a aprendizagem de línguas vivas como o inglês — “Nada mais absurdo que começar a ensinar a uma criança numa língua morta (…)”; o rigor, método e ordem — “(…) tinha sido educado com uma vara de ferro!”, “Não tinha a criança cinco anos já dormia num quarto só, sem lamparina; e todas as manhã, zás, para dentro de uma tina de água fria (…)”; a submissão da vontade ao dever — “Ainda é muito cedo, Brown, hoje é festa, não me vou deitar! (…) Carlos, tenha a bondade de marchar já para a cama”; e o desprezo do conhecimento teórico — “É saber factos, noções, coisas úteis, coisas práticas...”. Assim, Carlos cresce com uma educação moderna e laica e cursa Medicina em Coimbra, tornando-se um homem culto, inteligente, bem-educado, corajoso, frontal, refinado e de gostos requintados. 


Carlos é descrito como um "formoso e magnifico moço, alto, bem feito, de ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos, e os olhos dos Maias, aqueles irresistíveis olhos do pai, de um negro líquido, ternos como os dele e mais graves”, de barba “muito fina, castanho-escura, rente na face, aguçada no queixo” e com um “bonito bigode arqueado aos cantos da boca”, apresentando “uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença.”
Após terminar o curso, onde conhece o seu grande amigo João da Ega, faz uma viagem de um ano pela Europa. De regresso ao Ramalhete, em Lisboa, Carlos traz em mente grandiosas ideias e projetos profissionais, como: montar um consultório e um laboratório — “Carlos pensara em arranjar um vasto laboratório”, “no Rossio, o consultório do Dr. Maia”, escrever um livro de nome “A Medicina Antiga e Moderna” e uma revista. Contudo esses planos não são concretizados — “Má estreia, filho, péssima estreia! (…) Carlos pensava nestas palavras, dizia também consigo: ‘Péssima estreia’ E nem só a estreia do Ega era péssima; também a sua.” e a personagem acaba se conformando com uma vida mundana e sem sentido. 


Carlos é um médico bem-sucedido e um membro respeitado da alta sociedade lisboeta. Porém não deixa de ser profundamente insatisfeito com a sua vida e com o que o rodeia, não encontrando um propósito para a sua existência. É uma personagem idealista e romântica que defende ideais como a liberdade e a igualdade entre as pessoas. É ainda descrito como progressista, que acredita que a ciência e a tecnologia têm um papel fundamental no progresso humano. Os seus ideais acabam por refletir a mentalidade da classe social a que pertence, a elite. 

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Em relação aos afetos, Carlos é um homem romântico, apaixonado e admirado pelas mulheres. Depressa fascina a condessa de Gouvarinho, uma senhora de “(…) cabelos crespos e ruivos, o narizinho petulante, e olhos escuros, de um grande brilho, uma pele muito clara, fina e doce (…)”, com a sua aparência e comportamento, e acabam por ter uma relação adúltera. Todavia, esta relação acaba quando Carlos conhece Maria Eduarda, uma mulher “alta, como uma carnação ebúrnea, bela como uma deusa”, por quem se apaixona verdadeiramente. Ao saber a verdadeira identidade de Maria Eduarda, consome o incesto voluntariamente por não ser capaz de resistir à sua intensa atração, renunciando a preconceitos e colocando o amor em primeiro lugar. 

Este envolvimento com Maria Eduarda é retratado, para Carlos, como um momento de felicidade e realização, enquanto a morte prematura da sua amada afeta-o profundamente, contribuindo para a sua melancolia e desespero.
Carlos e Ega, apesar de serem o oposto em muitos aspetos, compartilham várias críticas a Portugal e à sociedade portuguesa — “o país é uma choldra”. As críticas proferidas abrangem o conformismo e a falta de ação da elite portuguesa que, apesar de possuir uma grande educação e recursos financeiros, não consegue transformar/mudar a sociedade em que vive, pois esta prende-se ao passado e não evolui — “Creio que não há nada de novo em Lisboa (…) desde a morte do senhor D. João VI”, “(…) reentrando na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A mesma sentinela (…) Os mesmos reposteiros (…) O Hotel Aliança conservava o mesmo ar mudo e deserto.”, “(...) arrasta os seus derradeiros dias, caquéctica e caturra, a velha Lisboa fidalga!”.


Os dois criticam ainda a política, as finanças e sociedade rendida ao dinheiro — “A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos cordéis.”, “O novo Portugal só compreendia a língua da libra, da massa. Agora, filho, tudo eram sindicatos!”, assim como o facto de Portugal imitar costumes estrangeiros — “(…) essa simples forma de botas explicava todo o Portugal contemporâneo. (…) Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI, que tão bem lhe ficava, este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas, sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, feitio próprio, manda vir modelos do estrangeiro”, “É de um reles, de um postiço! Sobretudo postiço! Já não há nada genuíno neste miserável país, nem mesmo o pão que comemos!”. 


Afonso, antes de falecer, também opina e critica com três conselhos — “aos políticos: ’menos liberalismo e mais carácter’; aos homens de letras: ‘menos eloquência e mais ideia’; aos cidadãos em geral: ‘menos progresso e mais moral’.” A morte do avô assombra Carlos e este decide instalar-se em Paris, onde assume a posição de um homem rico que “falhou na vida”, em parte, devido à sociedade em que vive, que é ociosa e acabaria por contagiá-lo, levando-o a viver para a satisfação do prazer dos sentidos e a renunciar ao trabalho e às ideias pragmáticas que os dominavam — “(…) falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação.”

S.M. 11ºD 27 de abril de 2023 


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