Devido ao suicídio do seu pai, Carlos é
criado pelo avô em Santa Olávia, na Quinta do Douro. Afonso queria que o
seu neto recebesse a educação que não conseguiu dar ao filho para que
este viesse a “ser útil ao seu país”, para isso, chama o Sr. Brown para
educar o neto à inglesa. O Sr. Brown por sua vez dá primazia ao
exercício físico - “Primeiro forrça! Forrça! Músculo...”, e às regras
duras que Afonso impõe ao neto. Além do exercício físico, o ensino de
Carlos tem como base o contato com a natureza — “(…) correr, cair,
trepar às árvores, molhar-se, apanhar soalheiras”; a aprendizagem de
línguas vivas como o inglês — “Nada mais absurdo que começar a ensinar a
uma criança numa língua morta (…)”; o rigor, método e ordem — “(…)
tinha sido educado com uma vara de ferro!”, “Não tinha a criança cinco
anos já dormia num quarto só, sem lamparina; e todas as manhã, zás, para
dentro de uma tina de água fria (…)”; a submissão da vontade ao dever —
“Ainda é muito cedo, Brown, hoje é festa, não me vou deitar! (…)
Carlos, tenha a bondade de marchar já para a cama”; e o desprezo do
conhecimento teórico — “É saber factos, noções, coisas úteis, coisas
práticas...”. Assim, Carlos cresce com uma educação moderna e laica e
cursa Medicina em Coimbra, tornando-se um homem culto, inteligente,
bem-educado, corajoso, frontal, refinado e de gostos requintados.
Carlos
é descrito como um "formoso e magnifico moço, alto, bem feito, de
ombros largos, com uma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos,
e os olhos dos Maias, aqueles irresistíveis olhos do pai, de um negro
líquido, ternos como os dele e mais graves”, de barba “muito fina,
castanho-escura, rente na face, aguçada no queixo” e com um “bonito
bigode arqueado aos cantos da boca”, apresentando “uma fisionomia de
belo cavaleiro da Renascença.”
Após terminar o curso, onde conhece o
seu grande amigo João da Ega, faz uma viagem de um ano pela Europa. De
regresso ao Ramalhete, em Lisboa, Carlos traz em mente grandiosas ideias
e projetos profissionais, como: montar um consultório e um laboratório —
“Carlos pensara em arranjar um vasto laboratório”, “no Rossio, o
consultório do Dr. Maia”, escrever um livro de nome “A Medicina Antiga e
Moderna” e uma revista. Contudo esses planos não são concretizados —
“Má estreia, filho, péssima estreia! (…) Carlos pensava nestas palavras,
dizia também consigo: ‘Péssima estreia’ E nem só a estreia do Ega era
péssima; também a sua.” e a personagem acaba se conformando com uma vida
mundana e sem sentido.
Carlos é um médico bem-sucedido e um membro
respeitado da alta sociedade lisboeta. Porém não deixa de ser
profundamente insatisfeito com a sua vida e com o que o rodeia, não
encontrando um propósito para a sua existência. É uma personagem
idealista e romântica que defende ideais como a liberdade e a igualdade
entre as pessoas. É ainda descrito como progressista, que acredita que a
ciência e a tecnologia têm um papel fundamental no progresso humano. Os
seus ideais acabam por refletir a mentalidade da classe social a que
pertence, a elite.
Em relação aos afetos, Carlos é um homem romântico, apaixonado e admirado pelas mulheres. Depressa fascina a condessa de Gouvarinho, uma senhora de “(…) cabelos crespos e ruivos, o narizinho petulante, e olhos escuros, de um grande brilho, uma pele muito clara, fina e doce (…)”, com a sua aparência e comportamento, e acabam por ter uma relação adúltera. Todavia, esta relação acaba quando Carlos conhece Maria Eduarda, uma mulher “alta, como uma carnação ebúrnea, bela como uma deusa”, por quem se apaixona verdadeiramente. Ao saber a verdadeira identidade de Maria Eduarda, consome o incesto voluntariamente por não ser capaz de resistir à sua intensa atração, renunciando a preconceitos e colocando o amor em primeiro lugar.
Este envolvimento com Maria Eduarda
é retratado, para Carlos, como um momento de felicidade e realização,
enquanto a morte prematura da sua amada afeta-o profundamente,
contribuindo para a sua melancolia e desespero.
Carlos e Ega,
apesar de serem o oposto em muitos aspetos, compartilham várias críticas
a Portugal e à sociedade portuguesa — “o país é uma choldra”. As
críticas proferidas abrangem o conformismo e a falta de ação da elite
portuguesa que, apesar de possuir uma grande educação e recursos
financeiros, não consegue transformar/mudar a sociedade em que vive,
pois esta prende-se ao passado e não evolui — “Creio que não há nada de
novo em Lisboa (…) desde a morte do senhor D. João VI”, “(…) reentrando
na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A mesma
sentinela (…) Os mesmos reposteiros (…) O Hotel Aliança conservava o
mesmo ar mudo e deserto.”, “(...) arrasta os seus derradeiros dias,
caquéctica e caturra, a velha Lisboa fidalga!”.
Os dois criticam
ainda a política, as finanças e sociedade rendida ao dinheiro — “A
política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o
negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos
hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes
porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos cordéis.”,
“O novo Portugal só compreendia a língua da libra, da massa. Agora,
filho, tudo eram sindicatos!”, assim como o facto de Portugal imitar
costumes estrangeiros — “(…) essa simples forma de botas explicava todo o
Portugal contemporâneo. (…) Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D.
João VI, que tão bem lhe ficava, este desgraçado Portugal decidira
arranjar-se à moderna: mas, sem originalidade, sem força, sem carácter
para criar um feitio seu, feitio próprio, manda vir modelos do
estrangeiro”, “É de um reles, de um postiço! Sobretudo postiço! Já não
há nada genuíno neste miserável país, nem mesmo o pão que comemos!”.
Afonso,
antes de falecer, também opina e critica com três conselhos — “aos
políticos: ’menos liberalismo e mais carácter’; aos homens de letras:
‘menos eloquência e mais ideia’; aos cidadãos em geral: ‘menos progresso
e mais moral’.” A morte do avô assombra Carlos e este decide
instalar-se em Paris, onde assume a posição de um homem rico que “falhou
na vida”, em parte, devido à sociedade em que vive, que é ociosa e
acabaria por contagiá-lo, levando-o a viver para a satisfação do prazer
dos sentidos e a renunciar ao trabalho e às ideias pragmáticas que os
dominavam — “(…) falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou
com a imaginação.”
S.M. 11ºD
27 de abril de 2023
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