domingo, 10 de janeiro de 2010

Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro.

Narciso*

Nas histórias autobiográficas (romances, novelas, contos…), o narrador recorre frequentemente a verbos como lembrar, relembrar, recordar, , evocar ou outros que dêem conta desse exercício da «trazer à memória».

Vou apresentar-vos o exemplo do romance de Vergílio Ferreira, Aparição, que começa, como vos disse, assim:

Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de Verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, essas flores, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens.
(...)

Pelas nove da manhã deste dia de Setembro cheguei enfim à estação de Évora. Nos meus membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de viagem. E agora, que escrevo esta história à distância de alguns anos, exactamente neste mesmo casarão em que tudo se passou, relembro vivamente [essa] manhã de Setembro.


Aparição de Vergílio Ferreira.


Repara que o narrador mostra-nos desde o início o espaço da narração: através do advérbio aqui, do  esta e do verbo relembrar no presente do indicativo - relembro.
O espaço da narração é a sala vazia em que o narrador está e no qual relembra a história que se passou consigo, em Évora, que é o espaço em que decorre a história que vai contar/a narrativa.

 
E este autor é tão original ao fazê-lo, trabalha a linguagem de tal forma que muitos colegas vossos quando falam deste texto referem, frequentemente, "o poeta" para se referir ao romancista. Aprecia:
 
(...)  Sinto, sinto nas vísceras a aparição fantástica das coisas, das ideias, de mim, e uma palavra que o diga coalha-me logo em pedra. Nada mais há na vida do que o sentir original, aí onde mal se instalam as palavras, como cinturões de ferro, aonde não chega o comércio das ideias cunhadas que circulam, se guardam nas algibeiras. Eu te odeio, meu irmão das palavras que já sabes um vocábulo para este alarme de vísceras e dormes depois tranquilo e me apontas a cartilha onde tudo já vinha escrito... E eu te digo que nada estava ainda escrito, porque é novo e fugaz e invenção de cada hora o que nos vibra nos ossos e nos escorre de suor quando se ergue à nossa face.
 
VF
 

Para saber mais: http://cvc.instituto-camoes.pt/filosofia/1910j.html

* Créditos da imagem de Narciso (sítio acedido em 10 Jan.2010):
http://media.photobucket.com/image/imagens%20narciso/RIPyEnus/Narciso_2.jpg

14 comentários:

Anónimo disse...

A memória é desgastada, erodida e desfaz-se, transformando o que era outrora uma rocha sólida , em pequenos grãos de areia, que, a pouco e pouco formarão novas rochas, tendo estas diferentes recordações, mas ainda pequenas partículas das anteriores, as quais não podem ser destruídas...


Maria Silva
10ºA

Anónimo disse...

A memória é uma imagem do passado menos nítida do que a verdade

Bruno 10ºA

Anónimo disse...

A memória é um vulcão, que a partir do momento em que explode deixa para sempre vestígios de cinzas.

Patrícia 10ºA

Anónimo disse...

A memória é como uma agulha no palheiro, está lá mas poderemos nunca mais encontrála

Luís G. Gomes 10ºA

Anónimo disse...

A memoria é tal como um hotel, no qual as pessoas se alojam, umas só por uma noite e outras por meses acabando todas por sair um dia.

Gonçalo Arsenio 10ºA

Anónimo disse...

A memória é uma estação ferrea inactiva, pois o comboio passa mas nós não o conseguimos apanhar.

Sebastião 10ºA

Anónimo disse...

Sobre a memória:


A memória é uma praia deserta. Os ventos do esquecimento diariamente varrem os grãos de areia das dunas, substituindo-os por novos. Torna-se um ciclo vicioso, entre o esquecimento... e o aparecimento de novas memórias.


Tiago Henrique Rosado nº24 10ºB

Anónimo disse...

Memórias ... as nítidas, as que marcam... permanecem, são guardadas e recordadas de forma a que o tempo passe e não destrua a imagem a cores que são e que as mantém acesas como fogo e firmes e sólidas em mim.

Memórias ... as preto e branco ... essas já marcaram, mas sem querer, mesmo sem querer ... deixei que o tempo as levásse. Deixei que passassem de perto a longe. Mas não as esqueço facilmente: são estações de ano em mim, voltam em períodos, de tempo em tempo ... ou simplesmente, voltam, quando toco na ferida que não sarou.

Memórias ... outras já esquecidas ... sem porto de abrigo. Já não me lembro de quais eram, nem sei se eram ... ou se vieram! São inigmas não descifráveis. Já não as reconheço.

Mariana Viola 10ºB nº16

Anónimo disse...

A memória é um computador. Os ficheiros são guardados e só se perdem quando são apagados de propósito ou sem ele.

Mariana Freitas 10ºB nº17

Anónimo disse...

A memória é um livro. Contém muita informação, mas para a conseguir tem que se estar na página correcta.

A memória é a história do mundo. Apenas consegue registar o passado e o presente, mas nunca o futuro, acentuando em si os episódios mais acentuados.

José Freitas, 10ºB

Anónimo disse...

A memória é um armário desarrumado que tem camisolas velhas e novas, umas já com buracos, outras ainda com etiquetas.

Inês Vieira, 10ºB, nº8

Anónimo disse...

Professora, alterei a minha metáfora para não estar a repetir duas vezes a palavra "acentuado".

A memória é a história do mundo. Apenas consegue registar o passado e o presente, mas nunca o futuro, acentuando em si os episódios mais importantes.

José Freitas, 10ºB

Noémia Santos disse...

Caros alunos

Creio que já temos, agora, um número e uma qualidade muito interessantes, para podermos publicar na página principal.

Os meus parabéns a todos. Os vossos contributos são todos muito penados e dão muito que pensar.

Apenas corrigi a ortografia e a sintaxe.

Leiam. Escolham a proposta que mais vos impressionou. Ou não escolham, apenas - acolham todas elas.

Bons pensamentos e excelentes escritas.

Noémia Santos disse...

José Freitas

Escolhi uma frase tua para título e nem pedi licença...

Esqueci-me de dizer que recebera a tua correcção e a considerei importante. Mas, no caso da tua frase, creio que ela ficaria ainda mais interessante e misteriosa se fosse só

A memória é a história do mundo.

Os leitores teriam de pensar mais e pôr hipóteses interpretativas e isso alargava, talvez, as suas possibilidades. Que dizes?