sexta-feira, 23 de novembro de 2012

ANTOLOGIA POÉTICA SOBRE O TEMA DA LIBERDADE


  Delacroix (1798-1863). A Liberdade



PORTUGUÊS, 10º C – 2012-13
Docente – Noémia Santos

ANTOLOGIA POÉTICA SOBRE O TEMA DA LIBERDADE
– Trabalho interdisciplinar Filosofia e Literatura |23 de novembro –


 
Liberdade
— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Miguel Torga, in 'Diário XII'
 
 
 
 
 
Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!


Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'
 
 
 
 
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.


Antero de Quental, in "Sonetos"
 
(errata: na versão impressa, falta uma letra em Ou, no verso 7: «Ou, monstro primitivo»)
 
 
 
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
 
 
 
Dizer Não
Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.

Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.

Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.

Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.

Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.

Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.

Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.

Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenamo-nos em gado sob o comando de um pastor.

Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.

Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.

E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás de construir o SIM da tua dignidade.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
 
 
 
 
 
 
Liberdade onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia
Porque (triste de mim!), porque não raia
Já na esfera de Lísia
[1] a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a Hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh!, venha... Oh!, venha e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória ,e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!


Bocage
 
[1] A perífrase "esfera de Lísia" por Portugal (Lísia=Portugal) 
 
 
 
Liberdade querida e suspirada,
Que o Despotismo acérrimo condena;
Liberdade, a meus olhos mais serena,
Que o sereno clarão da madrugada!
 
Atende à minha voz, que geme e brada
Por ver-te, por gozar-te a face amena;
Liberdade gentil, desterra a pena
Em que esta alma infeliz jaz sepultada;
 
Vem, oh deusa imortal, vem, maravilha,
Vem, oh consolação da humanidade,
Cujo semblante mais que os astros brilha;
 
Vem, solta-me o grilhão da adversidade;
Dos céus descende, pois dos Céus és filha,
Mãe dos prazeres, doce Liberdade!
 
Bocage
  
 
 
As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
 
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
 
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
 
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
 
Manuel Alegre
 
 
 
 
Liberdade
Quem marca uma fronteira
àquela nuvem
a asa que é a sua sombra
onde mora?
Sob as mordaças
calam-se as palavras
mas ninguém te cala
pensamento.
Quem manda à semente
não germines
ao fruto dela
que o não seja?

Amarram-se os pulsos
com algemas
mas ninguém te amarra
pensamento.
Quem impõe ao dia
que não nasça
ao sol que é a sua fonte
que não brilhe?
Fecham-se as janelas
com tapumes
mas ninguém te cega
pensamento.
Quem diz ao amor
é impossível
à lembrança que é seu laço
que o não seja?
Separam-se os amantes
na distância
ninguém te roubará
meu pensamento.
Joaquim Namorado

 
 
                                        Cântico Negro
 
"Vem por aqui" -  dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
 
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.
 
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
 
Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
 
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
 
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
 
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
 
 
Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
 
 
Eu tenho a minha Loucura!
 
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
 
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
 
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí.
 
José Régio, Poemas de Deus e do Diabo




 
 
 
GUIÃO DE FILOSOFIA
A filosofia não existe apenas em livros de filosofia… se procurarmos com atenção, também encontramos vestígios da reflexão filosófica em muitas outras atividades humanas, como a pintura, a música, o cinema, a fotografia… ou a poesia…
Proposta de trabalho (realizado a pares):
1-Com o apoio da Professora de Português, procura e seleciona um poema relativo ao problema da liberdade… escolhe um poema de que gostes.
2-Indica a tese que o autor do poema propõe para responder a este problema (libertismo, compatibilismo ou determinismo).
3- Identifica e explica os argumentos que o autor apresenta para defender a sua tese.
 
MUITO IMPORTANTE: não te esqueças de justificar as tuas opções de análise com elementos relevantes do poema.
4- O Poema será lido/dito na aula de Filosofia e as vossas ideias apresentadas à turma e ao Professor …

Bom trabalho!

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