Retrato de Eugénio de Andrade, na sua juventude
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No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe. Tudo porque já não sou o menino adormecido no fundo dos teus olhos. Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais. Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz. Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração no retrato da moldura. Se soubesses como ainda amo as rosas, talvez não enchesses as horas de pesadelos. Mas tu esqueceste muita coisa; esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração ficou enorme, mãe! Olha - queres ouvir-me? - às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos; ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura; ainda oiço a tua voz: Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal... Mas - tu sabes - a noite é enorme, e todo o meu corpo cresceu. Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber. Não me esqueci de nada, mãe. Guardo a tua voz dentro de mim. E deixo-te as rosas. Boa noite. Eu vou com as aves |
Eugénio de Andrade, in Os Amantes Sem Dinheiro
Correção
1.
- Referir o tom
narrativo relacionado com a utilização do pretérito perfeito, sobretudo na
segunda parte do poema (vv. 16-35) como quem conta uma história, de que são
exemplo «esqueceste muita coisa;/ esqueceste que as minhas pernas
cresceram,/que todo o meu corpo cresceu» ou a evocação da narrativa de infância
que a sua mãe lhe contava - «Era uma vez uma princesa/no meio de um
laranjal...»
- Referir e exemplificar o pseudo-diálogo
estabelecido pelo sujeito poético com a mãe ou a memória dela, marcado pelo vocativo - «mãe» -, pelo uso
do discurso direto, dirigido a um «tu» e do travessão, de que são exemplos: «Olha - queres ouvir-me? -» ou «Mas - tu sabes - ».
2.
- Identificar todas as
formas de pretérito perfeito («perdi», «esqueceste», adormeceu»...) e de
presente do modo indicativo («sou», «oiço», «sabes»)
- Relacionar com a
recordação do tempo da infância que, no presente, o sujeito poético realiza, em
contraste com um presente, tempo de partir, ainda que levando as recordações.
3.
- Relacionar com a
expressão inical relativa
à traição afetiva, visto que a anáfora
introduz versos que funcionam
como explicação/justificação para o «...eu sei
que traí».
à traição afetiva, visto que a anáfora
introduz versos que funcionam
como explicação/justificação para o «...eu sei
que traí».
4.
- Atribuir uma
interpretação simbólica a «moldura», enquanto retrato da infância, tempo de
criança, «aprisionamento», confinação a um espaço físico - a casa, e afetivo -
a proteção da mãe;
- Dar conta da progressiva
libertação do sujeito, traduzida pelas sucessivas referências à moldura, desde
o «porque perdi as
rosas brancas/que apertava junto ao coração/no retrato da moldura» até ao «Eu
saí da moldura».
Retrato de Eugénio de Andrade
5.
Explicar os versos, de modo
a dar conta da ideia de crescimento, físico e afetivo, e consequente fuga para
voos mais altos, para desafios mais exigentes e perigosos.
6.
Identificar a metáfora e associá-la à ideia de liberdade, voo,
perigosidade ou outra interpretação que respeite a lógica do texto.
7. Referir os diferentes tipos de estrofe
- quatro dísticos, etc...
8. Associar o último dístico à despedida,
marcada pela fórmula - «Boa noite»; o sujeito deixa as
memórias de infância,
traduzidas pelas «rosas», e parte para ser homem, livre...ou outra
interpretação que respeite a lógica do texto.
II
1.
Presente do Indicativo, na forma verbal «sei».
Pretérito perfeito simples do modo
indicativo, no caso de «traí».
2. Oração
subordinada substantiva completiva.
3. As
formas verbais soubesses e enchesses
estão no pretérito imperfeito do modo conjuntivo.
4. Oração
subordinada adverbial condicional; como exprime uma condição, tem um carácter
hipotético e, logo, exige uma forma verbal no modo conjuntivo, neste caso no
imperfeito.
5. Os
elementos que, para além dos tempos verbais, garantem a coesão temporal são o
«às vezes» e, principalmente, o «ainda». Relacionam-se com o confronto entre o
passado e o presente, e o modo como as memórias do passado ainda se prolongam,
não tendo abandonado o poeta, apesar de ele ter crescido e ser tempo de partir.
6. Todos os elementos expressos pertencem ao predicado,
neste caso constituído pelos elementos: verbo - «deixo»; complemento indireto - «te»; complemento
direto - «as rosas».
7. O
sujeito é nulo subentendido, pois não está expresso, mas é identificável como
«eu», recuperado a partir da forma verbal de 1ª pessoa - «Deixo».
8. Oração
principal/subordinante - «as palavras (…) são duras».
Oração subordinada adjetiva relativa (com antecedente)
restritiva - «que te digo» («que» as quais palavras; o «que» tem como
antecedente «palavras»).
9. O elemento «duras» é predicativo do
sujeito (neste caso, exercido por um adjetivo que acompanha o verbo copulativo –
ser: «são»).
10. O elemento
com a função de vocativo é «mãe». O valor
da sua repetição está associado à ideia de dedicatória, ou ajuste de contas afetivo
ou despedida ou explicação... ...ou
outra interpretação que respeite a lógica do texto.
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