sexta-feira, 15 de maio de 2015

Lisboa/Portugal, nos 300 anos da morte de Camões

"O Sentimento dum Ocidental" pretendeu homenagear Camões no terceiro centenário do seu falecimento (Camões morreu em 1580). Originalmente publicado no Porto em 1880, o texto passou despercebido à crítica, tendo-se o poeta lamentado numa Carta de 29.08.1880, a António de Macedo Papança, Conde de Monsaraz:

 "uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa, limpa, comemorativa de Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, uma observação! Ninguém escreveu, ninguém falou, nem um noticiário, nem uma conversa comigo; ninguém disse bem, ninguém disse mal."

«É clara a oposição entre aquilo que Cesário pretende que a realidade seja e o que ele sente que ela é, e não consegue disfarçar, por mais que quisesse celebrar corretamente a efeméride do épico. O tempo em que Portugal não passava de "um obscuro desembarcadouro de cruzadores britânicos", sem vontade nem sonho, com todo o abandono e desordem em que se encontrava tudo, não o deixa indiferente.(...)
A grande motivação para a escrita do poema foi a necessidade de denúncia sentida pelo autor, perante a realidade da Lisboa do seu tempo, povoada de uma maioria de gente submissa e desgraçada, a contrastar com uma minoria abastada e "feliz" (...) Uma Lisboa que representava, desgraçadamente, e para o pior, a realidade amorfa, decadente, aviltada, do país.»

Fonte:  http://www.passeiweb.com/estudos/livros/o_sentimento_dum_ocidental


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"O Sentimento dum Ocidental" 
Para completar os registos da aula sobre a linguagem do poema, deixo referência a alguns elementos relevantes dos recursos literários e dos usos expressivos da língua


Descrição dinâmica e sensorial através de:
Ø sugestão de movimento dada pelos verbos – “Batem os carros de aluguer”, "Vazam-se os arsenais e as oficinas", "apressam-se as obreiras", "Correndo com firmeza, assomam as varinas"; “Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros”
Ø  perceção ligada aos sentidos (sensorial):
o   "Reluz, viscoso, o rio" (sinestesia – visão+tato)
o   “Um parafuso cai nas lajes, às escuras” (sinestesia – som+visão)
o   “Um sopro que arrepia os ombros quase nus.” (sinestesia – visão+tato)
o   "E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras"
o   “Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.” (hipálage – o cheiro é classificado como salutar e «honesto», numa transferência de sentido da profissão para o produto – o pão)
Ø  recurso à comparação:
o   “Como morcegos, ao cair das badaladas,/Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.
o   “Os candelabros, como estrelas”
o   “(…) os cães parecem lobos
o   “A Dor humana (…)/E tem marés, de fel, como um sinistro mar!”

Ø  recurso à metáfora e à imagem
o   “nebulosos corredores” (ruas de prédios altos) ;
o   "cardume negro" (as vendedeiras de peixe, frequentemente vestidas de negro por luto)
o   Mas se vivemos, os emparedados,/Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...” (imagem da vivência na cidade)
o   “E algumas [varinas], à cabeça, embalam nas canastras/Os filhos que depois naufragam nas tormentas.” (alusão à canasta servir de berço aos filhos que depois naufragarão no mar”)
Ø múltipla adjetivação (neste caso, anteposta) – “E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes, /(…) os cães parecem lobos.”

Ø  descrição impressionista – sugestão de cor/luz/forma, que frequentemente antecede a própria referência ao objeto
o   “Amareladamente, os cães parecem lobos.” 
o   “Apagam-se nas frentes/Os candelabros 
o   Que grande cobra, a lúbrica pessoa,/Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!”

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