sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Cantigas de Amor


 A Dama e o Unicórnio: À mon seul désir (Museu de Cluny, Paris)

Cantigas de Amor
Quem assume a palavra é o trovador que destaca todas as qualidades da mulher amada - a dama - , colocando-se numa posição inferior (própria de um vassalo).

O tema mais comum é o amor não correspondido e o sofrimento (=coita) causado no sujeito que corteja a dama, numa expectativa nunca satisfeita.

O ambiente é palaciano, aristocrático, cortês, marcado pelo convencionalismo e os requintes da palavra e das atitudes.

As cantigas de amor reproduzem o sistema hierárquico na época do feudalismo, pois o trovador passa a servir, a ser o vassalo da amada - a sua «senhor» (a sua rainha/suserana) e anseia por receber um reconhecimento em troca da sua dedicação e dos seus “serviços” (vassalagem): as trovas de enaltecimento, o amor dispensado, todo o suposto sofrimento pelo amor não correspondido.




Requintadas e de certo modo convencionais, elas representam um conceito «mesurado» e cortês de amar, baseado no «enfengimento» ou fingimento de amor. Contudo, enraizando-se em Portugal, a poesia provençal modifica-se e nacionaliza-se: torna-se mais «portuguesa» quer pela forma menos rígida, quer pelo conteúdo, menos convencional, em que o amor cortês se aproxima da paixão sentimental. Mais do que decalcada do lirismo provençal, a cantiga de amor portuguesa é uma recriação original do género.


Maria Leonor Carvalhão Buescu, Apontamentos de Literatura Portuguesa












Ai mia senhor, lume dos olhos meus,



u vos nom vir, dizede-mi, por Deus,



       que farei eu, que vos sempre amei?




Pois m'assi vi, u vos vejo, morrer,



u vos nom vir, dizede-m'ũa rem,



       que farei eu. que vos sempre amei?
  



Eu, que nunca outra sôubi servir



senom, senhor, vós, eu, u vos nom vir,



       que farei eu, que vos sempre amei?
Fernão Fernades Cominho







A tal estado mi adusse*, senhor,
o vosso bem e vosso parecer
que nom vejo de mi nem d'al prazer,
nem veerei já, enquant'eu vivo for,
       u nom vir vós que eu por meu mal vi.

E queria mia mort'e nom mi vem,
senhor, porque tamanh'é o meu mal
que nom vejo prazer de mim nem d'al,
nem veerei já, esto creede bem,
       u nom vir vós que eu por meu mal vi.

E pois meu feito, senhor, assi é,
querria já mia morte, pois que nom
vejo de mi nem d'al nulha** sazom***
prazer, nem veerei já, per bõa fé,
       u nom vir vós que eu por meu mal vi;

pois nom havedes mercee**** de mi.

 D. Dinis


*traz; verbo «aduzer» - trazer.
** nenhuma
***tempo, ocasião, momento 
****mercê, misericórdia, pena


(gravadas em: USA, 2006; Espanha, 2004, respetivamente)

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