terça-feira, 23 de abril de 2019

Camões - Rimas


A representação da amada.
A experiência amorosa.
Recorda os poemas trabalhados na ficha sobre a lírica de Camões. Lembra estes excertos:
"Nos seus olhos belos
tanto Amor se atreve
que abrasa entre a neve
quantos ousam vê-los
.
Não solta os cabelos
Aurora mais bela:
perco-me por ela."

"Se imaginando só tanta beleza,
De si com nova glória a alma se esquece,
Que será quando a vir? Ah quem a visse!"
Saber+/Interpretar melhor
«Os termos Amor, Beleza e Mulher, dentre outros, são grafados nos sonetos de Camões com inicial maiúscula, pois expressam o ideal absolutista desses conceitos que o poeta buscava alcançar. O que Camões pregava não era um amor a uma mulher qualquer, mas o amor à Mulher ideal que carrega em si toda universalidade do conceito de Beleza, de Perfeição. Da mesma forma o poeta busca descrever o Amor, não um amor necessariamente vivido, mas um Amor idealizado, desejado e que expresse um sentimento absoluto, superior. Analisemos um conhecido soneto de Camões:
“Amor é fogo que arde sem se ver;/ É ferida que dói e não se sente;/ É um contentamento descontente;/ É dor que desatina sem doer;”.
Como vemos, o Amor consiste num sentimento tão amplo que não se pode [definir], e por isso o poeta faz uso de várias antíteses e paradoxos para tentar descrevê-lo. Ao fazê-lo busca passar a ideia de um conceito, de um pensamento absoluto sobre o amor, mais do que expressar um sentimento íntimo, subjetivo. Ao mesmo tempo em que busca alcançar esse ideal Racionalista, Camões, ao usar as antíteses e paradoxos, expressa o Amor como um sentimento contraditório.»

«Camões descrevia a Mulher como um ser dotado de beleza tal que era vista como uma deusa, como um ser sobrenatural que não devia ser desejada fisicamente, mas amada e idolatrada como um ser superior capaz de dar vida às coisas a sua volta só com sua beleza. Essa Mulher servia de foco para onde o homem devia destinar todo aquele Amor supremo e idealizado pelo qual vivia. Vejamos um outro soneto no qual Camões fala dessa adoração


Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder a vista só com vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já me não fica mais de resto.

Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho tudo é vosso;
E o proveito disso eu só o levo.

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que quanto mais vos pago, mais vos devo.


Ora, o olhar dessa “Senhora” é tão belo que a vista seria o preço de admirá-lo. Apenas admirá-lo já seria motivo de satisfação para o homem. Está também presente nesse soneto a ideia de submissão do homem à mulher amada a quem o homem serve sem pedir nada em troca, o desejo de estar próximo mesmo que apenas para admirá-la, mesmo que ela não saiba que ele a ama, e mesmo que ela não corresponda. Esse soneto […] traz o ideal de Amor platónico que coloca a mulher como um ser iluminado que leva o homem a atingir o seu ideal de felicidade por meio do amor espiritual
«o Amor é representado em Camões de diversas maneiras: no Amor contraditório, marcado pelo uso das antíteses e pelo ideal racionalista da universalidade; nas conceções de Amor platónico e de Amor cortês, marcados pela idealização da mulher como ser divino que serve de ponte para que o homem alcance a completude da alma por meio do Amor puro; e no Amor carnal em oposição a esses primeiros, mostrando que mesmo que o homem deseje esse Amor espiritual, ele também deseja ver a sua amada corporalmente, contradição essa marcada pela própria experiência amorosa de Camões. […] Por fim, entendemos que essas várias faces do amor em Camões não aparecem exatamente separadas umas das outras; é possível notar uma mescla de mais de uma conceção nos seus poemas, causando essa contradição tão presente no homem renascentista.»


Azevedo, Marcos Paulo; Silva, M. J. Rodrigues, A REPRESENTAÇÃO DO AMOR NA LÍRICA CAMONIANA(com cortes)

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