domingo, 5 de maio de 2019

Camões, Amor e esquecimento

Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Luís Vaz de Camões


Lágrimas tristes tomarão vingança é um soneto¹ de Luís Vaz de Camões, lírico português do séc. XVI que influenciou a escrita e cultura nacional e internacional até aos dias de hoje. Este poeta escreveu diversos poemas de origem tradicional e renascentista.
O soneto é composto por duas quadras e dois tercetos, tendo estes na sua composição versos decassilábicos, ou seja, de medida nova. Devido a ser um soneto, este poema pertence à corrente renascentista ou clássica.
O primeiro e o quarto versos têm rima interpolada, à semelhança do quinto e oitavo versos. Os versos números 2 e 3, 4 e 5, 6 e 7 fazem, entre si, rima emparelhada. Os nono, décimo primeiro e décimo terceiro versos têm rima cruzada entre si, tal como o décimo, décimo segundo e décimo quarto versos.

Este poema tem como tema o amor, uma vez que “Amor sofrera, mal que eu me partira”, tendo, mais especificamente, o sofrimento e a saudade do sujeito poético para com a sua amada em evidência.
Apresenta a ideia de um sujeito poético revoltado, magoado e entristecido com a sua amada, tal como é percetível pelo verso “Lágrimas tristes tomarão vingança”. A sua saudade é intensificada pelos seguintes versos: “Apartei-me de vós, mas a vontade,/ (…) / Me faz crer que esta ausência é de mentira”, tal é a sua saudade que o sujeito poético se leva a acreditar que a distância da amada é mentira, de forma a apaziguar o seu sofrimento.

Esta composição começa por apresentar um sujeito poético que implora piedade à sua amada, à semelhança do seu desejo de a ver saudosa devido à sua partida. Seguindo-se da sua partida, o sujeito sente uma grande falta da sua amada, tão grande, aliás, que, para não sofrer tanto com o seu afastamento da amada, mente a si próprio, não querendo acreditar que estava longe daquela que ama. No entanto, quando a sua amada lhe parte o coração, - por motivos não explícitos no poema – o poeta quebra esta sua ilusão e abraça o seu sofrimento.

O sujeito despede-se da sua amada, jurando-lhe “vingança”, pelo seu sofrimento. Fá-lo afastando-se de vez da sua amada admitindo que, mesmo assim, será “sepultado” no vosso esquecimento. Dos vários recursos expressivos, tomemos o exemplo desta perífrase - recurso expressivo que consiste em dizer com várias palavras o que poderia ser dito numa só, ou de uma forma mais simples - : "Sepultado no vosso esquecimento". A utilização deste recurso estilístico tem como função transformar o sentido de uma frase mais simples e direta, tal como, "Para sempre por si esquecido" em algo com mais simbolismo: o “esquecimento” é equiparado a um túmulo, donde a vida se ausentou; assim, o poeta sente que «morreu» para a amada.

Atente-se também nesta personificação - recurso expressivo que se caracteriza pela atribuição de características humanas a uma entidade não humana - : "Lágrimas tristes tomarão vingança". Desta forma o poeta atribui características humanas a algo não humano, - as lágrimas, para realçar que o sofrimento (aqui representado pelas “lágrimas”) não se esquece facilmente e tem “vida” própria, que o sujeito não controla.

Bruna Roque, n°6
Bruna Cuco, n°5
Miguel Matias, n°23
10°A

Imagem:  René Magritte - Les Amants

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