Diário da Mãe de Inês Pereira
14 de junho de 1523
Meu querido diário, hoje, quando cheguei a casa, depois da missa, deparei-me com a minha filha a não fazer a tarefa que lhe dei e, zangada, disse-lhe “Acaba esse travesseiro! Nasceu-te algum unheiro ou cuidas que é dia santo!?” E entrámos em conflito, de seguida apareceu a Leonor Vaz, sabes? A alcoviteira… interrompendo a nossa discussão.
Nem imaginas, ela disse-me, ofegante, que quase tinha sido violada por um clérigo no caminho, tentou gritar mas não conseguiu. Depois comecei-me a rir e contei-lhe que também tinha sido vítima de uma tentativa dessas, na época da “poda”, mas tive um ataque de riso e fiz o bandido fugir. Ela contou-me que também se riu com os elogios ridículos que o clérigo lhe fizera e, apesar de se sentir coxa e fraca, conseguiu escapar ao atentado. Disse-me, também, que queria queixar-se da agressão ao cardeal, mas aconselhei-a a não o fazer pois reparei que não estava tão ofendida assim com o sucedido e, Leonor, com medo de ser excomungada, não fez a queixa.
Depois mudou de assunto e esclareceu-me a razão da sua visita, disse-me que conhecia um pretendente para a minha rica filha. Mas já sabes, como Inês é teimosa e impaciente, começou a colocar-lhe questões e exigências para o marido perfeito para ela.
A Leonor disse-lhe que iria trazer um bom marido "rico, honrado e conhecido" e entregou-lhe uma carta do rapaz. A minha filha leu-a, mas menosprezou o pobre rapaz e a carta que escrevera. Mesmo assim, consentiu que a alcoviteira o traga aqui a casa… deve ser para gozar com o pobre rapaz, só pode!
Amanhã, conto-te tudo o que aconteceu com o rapaz, será que a Inês irá gostar dele??
Até amanhã, meu querido!
15 de junho de 1523
Meu querido diário, hoje, veio o rapaz cá a casa, chama-se Pero Marques, um parvo e ingénuo, vinha “vestido como filho de lavrador rico, com um gibão azul deitado ao ombro, com cabelo por diante”. Disse que herdou terras do pai e que possuí muito gado.
De seguida, deixei-os a falarem a sós, para que conversassem melhor e quando cheguei, ele já se tinha ido embora.
Perguntei, admirada, onde estava Pero Marques e ela disse-me que se tinha ido embora e que só casará com um homem que seja discreto, mesmo que pobre e feio.
Eu, preocupada com o futuro da minha filha, perguntei-lhe como é que ela fará para viver assim e para arranjar um marido como deseja, e ela disse-me que falou, ontem, com os judeus casamenteiros e que irão passar por aqui, hoje.
Hoje, já estou muito cansada para continuar a escrever. Os judeus vêm agora e, amanhã, contarei o que aconteceu com os judeus casamenteiros. Será que eles arranjaram um marido para a minha filha??
Até amanhã, meu querido!!
16 de junho de 1523
Meu querido diário, ontem, chegaram os judeus casamenteiros, Latão e Vidal. Começaram a queixar-se que muito procuraram para encontrar o pretendente, do jeito que a minha filha desejava. Acharam um escudeiro que se enquadrava nas exigências da moça. Falaram com ele sobre casar com Inês e ele aceitara.
Amanhã, conto-te o que aconteceu com a chegada do escudeiro.
Até amanhã, meu querido!
17 de julho de 1523
Meu querido diário, hoje, enquanto o escudeiro não aparecia, ensinei à minha filha como se deve portar na presença do novo pretendente. Disse-lhe que tinha de ser discreta, falar pouco, não rir, para que ele pense que ela é uma moça séria.
Passado algum tempo, chegou o escudeiro a minha casa, acompanhado pelo seu moço, que lhe carregava a viola. O escudeiro começou logo a falar em tom de elogio, sobressaindo as qualidades da minha filha, e ela calada como lhe tinha ensinado.
Ele continuou a falar dizendo que não tinha riqueza, mas que era dono do marechal, e que sabia ler e escrever, além de tocar viola.
Achei que o escudeiro não era o homem certo para a minha filha. Disse-lhe, ironicamente, que agora estava no paraíso, pois sentia-me muito feliz por ela, pois tinha encontrado um marido como ela pretendia. Ela, muito mazinha para mim, disse-me que não tinha nada a ver com isso e para a deixasse em paz, pois, o melhor que existe era ter um “marido sabido”. Eu tentei chamá-la à razão e disse-lhe que a singeleza e sinceridade eram, muitas vezes, qualidades maiores… mas a minha filha não quis saber.
Como não bastasse, os judeus casamenteiros foram ao meu encontro e reclamaram por estar a criticar o marido que eles encontraram.
Vi que não conseguia mudar de ideias à minha filha e deixei que se casasse com o escudeiro mas que um dia ainda se havia de arrepender, digo-te!
A minha filha aceitou o pedido de casamento do escudeiro, de seu nome Brás da Mata.
Depois os judeus vieram ter comigo porque queriam receber o dinheiro por terem arranjando um marido para a minha filha, eu disse-lhes que só amanhã, porque agora tinha que preparar a festa do casamento.
E vou-me embora para chamar os convidados.
Amanhã, conto-te como foi a festa!
Até amanhã, meu querido diário!
18 julho de 1523
Meu querido diário, hoje, foi a festa do casamento da minha filha. Cantámos, bailámos, até ao amanhecer!
Depois da festa, disse à minha filha “Ficai com Deus, e não virei tão depressa!” Pois agora tem marido, ele que se entenda com ela, dei-lhes a minha casa.
Também falei com Brás da Mata, o meu genro, e disse-lhe que agora, Inês, era esposa dele, que a tratasse bem e que a amasse muito.
E fui-me embora, espero que ela fique bem entregue, não me vou meter mais pois entre marido e mulher não se mete a colher.
Adeus meu querido diário, obrigado por estares sempre aqui a ouvir-me…
Autora: Mariana R., 10ºB
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