sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Esteiros,de Soeiro Pereira Gomes

O trabalho que se segue é o mais sustentado e completo de quantos me foram entregues sobre o Contrato de Leitura. Penso que vale a pena ler.
No próximo "post" apresento-vos a crítica que este colegas do 10º B redigiram com base neste trabalho.

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Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga.


Identificação bibliográfica:

Título: Esteiros

Autor: Soeiro Pereira Gomes

Editorial «Avante!», SA, Lisboa

Edição: Edição comemorativa do centenário do nascimento do autor

Capa: Estúdios P. E. A.

Género/Sub-género:

Narrativo/ Romance



Registo:

Sério/Crítico (neo-realismo)

Síntese alargada:

Outono

Os homens e rapazes que trabalham na fábrica recebem a féria e os rapazes divagam onde a vão gastar, mas todos têm um ponto em comum, a Feira.

Neste capítulo ficamos também a conhecer as condições familiares de Gineto, cujo pai lhe batia, e ficamos a saber também como ele se tornou ladrão; bem como as condições familiares de Gaitinhas, cuja mãe estava muito doente e o pai estava ausente, como a doença da mãe o leva a sair da escola para ir trabalhar para a fábrica e como ele de repente se vê como um miúdo da rua, como Maquineta.

As aventuras dos rapazes na Feira são também relatadas: Gineto mete-se em sarilhos por causa de uma rapariga mais velha que ele. Sagui anda de banca em banca a comer bolos, Maquineta sempre de olho no carrossel. Guedelhas passeia nas ruas sem vintém e Malesso tenta ganhar uma garrafa de “Porto”.

No fim do Outono, Gineto é levado para o Boa Sorte, o barco de Manuel do Bote, seu pai, para trabalhar, mas assim que atracam, ele mete-se em sarilhos numa taberna e foge. Pensando no que poderia fazer agora que tinha fugido e onde passaria a noite, acabou por decidir, passá-la no bote, com medo do que o seu pai lhe podia fazer.

Inverno

O Inverno era uma época muito má. Fazia muito frio (“ Mãos esquecidas nos bolsos e pés roxos de frio…”) e para além disso nos esteiros esta era a época das cheias, que destruíam tudo (“Depois veio a chuva fazer do rio - carreiro de água negra na valeta - um mar de lama que alagou as ruas.”), os campos dos agricultores, os palheiros e as casas habitacionais.

As cheias faziam com que a miséria vivida fosse maior, os ricos que viviam no campo só pensavam em si próprios e quando ajudavam os mais pobres é porque teriam algum benefício em retorno. Quanto aos da cidade deslocavam-se até ao campo para verem a beleza da paisagem, alguns até para tirarem fotografias. Com a excepção de um jovem ( “- Olhem – disse uma voz juvenil -, aquelas oliveiras dão a impressão de que flutuam. E uma casita, além, meio afundada… Isto é triste, não é?” ) que achou aquela paisagem triste.

Estas cheias pregaram uma partida à população. Quando todos pensavam que elas já tinham acabado resolveram voltar. Muitos apanhados de surpresa acabaram por falecer vítimas delas. Se o Inverno já custava a suportar pelo imenso frio que fazia e porque os jovens não tinham emprego, agora com estas o sucedido ainda era pior.

Tentavam-se encontrar sobreviventes entre o lixo e os cadáveres. Gineto e o seu pai tiveram muita sorte porque conseguiram sobreviver. Ao contrário do seu amigo Malesso e de muitas outras pessoas que acabaram por falecer.

Primavera

O capítulo começa por descrever a época da Primavera. É neste capítulo que se tenta recuperar da tristeza que foi o Inverno. Tenta-se recuperar do terror das cheias, da tristeza que se viveu e das mortes ainda não esquecidas. Mortes que endoideceram pessoas, como o caso da Doida, que aparece neste capítulo como uma nova personagem.

O começo deste capítulo está caracterizado com muita depressão. As pessoas tentam reconstituir as suas vidas. Regressam ao trabalho. Enfim, a Primavera insuflava energias e promessas, e, porque o negócio das laranjas prosperava, todos os garotos andavam contentes.

Gaitinhas continuava saudoso da escola e do pai.

Para conseguirem sobreviver, os miúdos roubavam frutas do jardim do senhor Castro. Era Gaitinhas quem contava as frutas, pois era o único que sabia contar até mil.

Certa noite, Saguí acordou em sobressalto, com barulho de alguém que resmungava. Era a Doida, totalmente dorida e pálida. Depois de alguns dias sem ter vendido fruta, os amigos do Saguí começaram a desconfiar. Tentou apresentar algumas desculpas, mas os amigos perceberam que era uma história inventada, pois viam-no entrar na capela com embrulhos misteriosos, e depois correr as ruas como à procura de alguém. Certo dia, os amigos descobriram a sua recente história com a Doida, pois viram-no com ela, quando ela já ria e gesticulava. Uma semana depois, todos os elementos da quadrilha gastavam lucros do negócio em prendas para a Doida. Nunca a vida lhes fora tão risonha. Nem quando as primeiras chuvas de Outono anunciavam pausa de asneiras no telhal e folguedos na Feira.

Nesta altura, Gaitinhas já não entregava à mãe o dinheiro das laranjas, e fugia de casa para não ouvir ralhos e lamentos.
A mãe perguntava-lhe se ele já não trabalhava. Ele dizia que a obra já tinha acabado. A mãe lamentava a ocasião, pois a Ti Rosa, coitada, estava farta de gastar dinheiro com eles.
Gaitinhas condoía-se; jurava a si próprio tomar emenda. Mas chegava à capela, onde morava Saguí e esquecia-se da cara triste da mãe e da sua voz cansada.
Os assaltos às quintas foram assim rareando. A muito custo, quando o dinheiro escasseava, é que eles se depunham a rastejar sobre a erva húmida dos laranjais.
Dada noite, Saguí chegou esbaforido, quase sem voz. Bateram na Doida. Os amigos largaram as cartas de repente, e perseguiram o homem que bateu na Doida, até que deram com ele à beira dos esteiros. Eles tremiam de medo, perante um gigante que parecia invencível. Mas conseguiram superar a aventura, dando assunto para risos e chacota, durante muitos dias. Chegaram à conclusão que tiveram uma prestação como a do Tom Mix. Depois foram ao cinema rever-se no herói. Depois de muito esforço, por falta de dinheiro e condições, lá conseguiram ver o filme.
Dias venturosos aqueles. Os rapazes aspiravam o ar, mais puro e cálido, como se nova vida surgisse com a Primavera. Um dia, porém, a Doida desapareceu sem deixar rasto.

Neste capítulo, Maquineta, um dos amigos de Gaitinhas conseguiu emprego. Contou a notícia aos amigos aos pulos. Os amigos ficaram muito invejosos. Depois de muita ansiedade, Maquineta foi à fábrica e encarou-se com a realidade e a dureza do trabalho a que os infantis são sujeitos, descaindo na cara lágrimas de suor. As crianças trabalhavam em péssimas condições e eram maltratados.

A Primavera fica marcada pela morte da Madalena, a mãe do Gaitinhas. A Ti Rosa, que acompanhava Madalena enquanto a mãe era auscultada pelo médico, num dado momento, escondeu as lágrimas no avental. A mãe deixou o filho dizendo-lhe: “Faz por trabalhar. O teu pai volta qualquer dia…”. Devido à morte de sua mãe, Gaitinhas entrou em estado de depressão, por não ter tido oportunidade de ajudar a sua mãe. Foi viver com a ti Rosa, acabando depois por mudar-se, pois via que a idosa não estava a conseguir suportar todos os seus custos. Deixou-lhe uma mensagem justificando a sua atitude. Devido a isto, mudou-se para a capela, onde Saguí morava.

É com um espírito de alguma tristeza que a Primavera chega ao fim.

Verão

Neste capítulo, relata-se a maior parte da vida dos rapazes no telhal: como Gaitinhas não se ajustava muito bem à vida de trabalhador e Gineto passava a ser o homem da casa, assumindo todas as tarefas que anteriormente cabiam a seu pai e os outros todos também trabalhavam para tentar tornar-se homens.

Zé Vicente, o dono do telhal, resigna-se quando o Sr. Castro lhe conta que vendeu o telhal à Fábrica Grande. Nem um dos trabalhadores que dantes trabalhavam no telhal agora lá trabalha, com um novo patrão. Um dia, já no fim do Verão, o forno incendeia-se, deixando Zé Vicente em lágrimas.

Gineto vai parar à prisão por andar a roubar carvão da Fábrica Grande e “Gaitinhas-cantor vai com o Sagui correr os caminhos do mundo, à procura do pai. E, quando o encontrar, virá então dar liberdade ao Gineto e mandar para a escola aquela malta dos telhais – moços que parecem homens e nunca foram meninos.”

Breve síntese:

Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, é um exemplo da excelência do autor, é um romance marcante da literatura portuguesa do século XX e foi publicado em 1941.


Gineto é o revoltado “chefe” do grupo; Sagui, o contador de histórias e o menino de rua; Gaitinhas, o estudante; e Maquineta é aquele que sempre sonhou em trabalhar na Fábrica Grande. Todos eles encontram esquemas para arranjar um sítio para passarem as noites assim como para comerem. Sujeitos à dureza do trabalho quando o conseguem arranjar, vadiando ou roubando para comer durante o resto do tempo, apesar de tudo - sonham. A idade deles oscilava entre os dez e os doze anos e, sem tempo nem condições para ser crianças, no Verão trabalham, como adultos, nos telhais à beira dos esteiros do Tejo, e nos restantes nove meses de fome e frio roubam ou pedem esmola para conseguirem ver chegar o Verão seguinte.


Estes rapazes passaram maus momentos, como as cheias vividas no Inverno, o afastamento por uns tempos de Gineto do grupo, e, no fim, o aprisionamento deste. Depois de todas as aldrabices que Gineto cometeu, este pagou por todo o mal que fez. O tempo vai passando e o “chefe” vai esperando a chegada dos seus melhores companheiros para o ajudarem a fugir da prisão, mas estes já quase não se lembram daquele que tanto fez por eles.


É esta a história dos moços que parecem homens e nunca foram meninos.


Duas anotações, na abertura do 1º capítulo e na do último subcapítulo do livro, indicam-nos que o ciclo temporal abre e fecha em Setembro, por ocasião de uma feira anual, mas esse retorno dá-se numa diferente situação.

Tema/Problema/Situação sobre a qual se reflecte:

Expõe a condição social precária da região dos esteiros do Tejo, sem dramatismos e enfatizando a decadência de uma vida sem educação. Denuncia uma sociedade cruel, de costas voltadas para a classe proletária. Trata mais especificamente de um grupo de rapazes que se revolta com armas na mão, representantes da cólera do povo.

É uma história contada a partir da realidade de muitos que sobreviveram aos ataques da burguesia e pereceram aos esteiros do rio. É o retrato simples de como era a vida, fosse no rio, fosse na fábrica, sem ironias, truques, artimanhas narrativas.

Aspectos polémicos ou que possam gerar algumas diferenças de opinião ou controvérsia interpretativa:

O livro organiza-se em 4 capítulos que têm como título os nomes das quatro estações do ano, "Outono", "Inverno", "Primavera" e "Verão".
Pensamos que isto se deve ao facto de cada capítulo estar caracterizado pela emoção presente em cada estação do ano. Por exemplo, o Inverno no livro está marcado pelas cheias, e por um período de grande tristeza e dificuldade.

As estações que ritmam o ciclo anual são um dos modelos da nossa experiência sensível do tempo: tal como o ciclo dia e noite, elas configuram o tempo cíclico, que a literatura muitas vezes contrapõe a um outro modelo temporal que é o do tempo linear e irreversível, orientado para um fim que é a morte. Nessa contraposição, o tempo cíclico é o tempo da esperança: depois da noite vem o dia, depois do inverno vem a primavera. Em Esteiros, encontramos algo de parecido com isso. Mas não só. Começar no Outono (fase de declínio) para acabar no Verão (estação da plenitude solar) parece indiciar o movimento de uma esperança ou de uma promessa.
Mas o que é admirável é que este modelo de representação do tempo natural é em parte mantido e em parte submetido à dimensão social da vida humana: as estações do ano são e não são as mesmas, de acordo com a situação e a experiência social das personagens. É que o "Verão" de Esteiros abre, logo no 1º parágrafo, sobre o negro, "cor" surpreendente para tal estação, mas que é a cor do trabalho penoso e explorado, da vida oprimida que é contada. O "Verão" de Esteiros conta, é certo, o fugaz banho dos garotos no rio, numa pausa do trabalho; mas, sobretudo, abre contando cenas de trabalho em situação de grande violência. Este aspecto fulcral da composição do romance está aliás representado - a tempestade, as cheias contadas no "Inverno", são desastre, naufrágio, morte e solidariedade, para aqueles que as sofrem no seu trabalho ou na busca dele, e são espectáculo "da natureza", para aqueles que as vão ver , "de cima" e "de fora".
Frases/passagens lapidares:

Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga - página 27

Flocos de nuvens no céu, como um bando de pombas que roça asas no Mirante. Nuvens de flores nas árvores do vale. Céu a desbotar azul no rio calmo, sem remorsos das cheias, de que já pouca gente se lembra – página 127.

Contributos do livro para a compreensão do assunto em causa/do tema abordado:
Este livro fez-nos compreender o trabalho infantil e como este funciona: no Verão trabalham nos telhais de sol a sol sem ganhar fortunas e nas restantes estações passam fome e andam a pedir. Compreendemos melhor a visão do mundo dos anos 40 e de como era a vida naqueles tempos idos.

Aspecto menos conseguido/que menos apreciamos: nós apreciamos tudo, e achamos que o autor conseguiu passar a mensagem que pretendia. Foi um livro muito agradável de ler.
Informações com interesse sobre o autor e a fortuna do livro (edições, recepção ao público/da crítica, possível adaptação ao cinema/teatro):

A obra foi censurada pelo Estado Novo logo no início, e hoje é leitura recomendada para o secundário, devido à narrativa ímpar do realismo do autor.A crítica recebeu bem este livro, pois embora tenha sido censurado, retrata fielmente a vida dos telhais e mais concretamente, a vida de alguns amigos que, no Verão partilhavam o trabalho e no Inverno partilhavam a fome.

O livro teve, pelo menos, 12 edições e uma edição comemorativa do centenário do nascimento do autor (lançada este ano).
Pensamos que esta história poderia ser adaptada ao cinema/teatro, pois é uma história muito interessante que cativa o interesse do espectador.

Joaquim Soeiro Pereira Gomes nasceu em Gestaçô, distrito do Porto no ano de 1909. Foi um dos grandes nomes do neo-realismo de Portugal.

Filho de agricultores, estudou na Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, quando finalizou os estudos, viajou para Angola e trabalhou durante um ano.

Quando regressou a Portugal, trabalhou como empregado administrativo numa fábrica de cimentos e começou a desenvolver um trabalho de dinamização cultural entre a classe operária.

Seu trabalho como escritor tornou-o conhecido, escritor do realismo socialista em Portugal, militou no Partido Comunista Português. Hoje a sede do partido recebe o seu nome (Edifício Soeiro Pereira Gomes).

Entre os seus trabalhos, “Esteiros”, publicado em 1941 é considerado sua obra-prima, que foi ilustrada na sua primeira edição por Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP. Mesmo vivendo clandestinamente durante o governo de Salazar, desenvolve o seu trabalho de militante até adoecer com cancro no pulmão. Impedido de receber o tratamento médico necessário, faleceu em Cinco de Dezembro de 1959.

Sabemos que seis meses após a 1º edição (que foi publicado em 1941), apareceu a segunda, devido ao sucesso que foi a primeira.

Trabalho ralizado por: Ana Marta Carmona, José Manuel de Freitas e Tânia Soares

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