quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Leitura(s) de Um Amor de Perdição



Guião de leitura do filme Um amor de perdição, de Mário Barroso
    1-     Nas cenas iniciais, a transgressão, que é um dos principais temas focados no filme, é introduzida recorrendo-se a várias situações. Esta está presente quando vemos Manuel a ter relações sexuais não só num auditório de teatro, mas também com um outro rapaz, transgredido assim de algum modo regras da sociedade, uma vez que comete um crime de atentado ao pudor ao fazer sexo num sítio público e também por, e não sendo este um crime, ter relações sexuais com um rapaz, o que para a sociedade não é totalmente aceite (e com isto não estou a afirmar que seja algo errado, apenas a fazer uma observação geral, de algo que por vezes é considerado uma transgressão). É também possível observar essa transgressão na atitude de Simão, que entra pelo auditório e que num ato de rebeldia, ao ver o seu irmão a fazer algo que ele reprova, atira uma bola à cara do coordenador do grupo de teatro. Outro exemplo de uma transgressão é o facto de aquando da chegada de Manuel a casa, este dar um beijo na boca à sua mãe e passar-lhe a mão pela perna, algo que não é comum para a sociedade, e isso é possível observar com uma fala de Rita que diz: “Meu irmão de certeza era o Simão, se não fosse, era com ele que eu casava”; esta fala demonstra que a relação de Manuel e da sua mãe não era de todo normal, constituindo por isso uma transgressão, pois se Rita não podia casar com Simão, pois este era seu irmão, também Manuel não poderia ter qualquer relação amorosa com a sua mãe.
2-     A meu ver esta frase de Rita é uma das grandes chaves do filme, com ela percebemos que pelo menos esta família, a família Botelho, é muito desunida, pois apesar de viverem lado a lado, isto é, viverem todos na mesma casa, eles não vivem juntos, ou seja, não se ajudam, não lutam pelo mesmo, é como se cada um deles estivesse sozinho. Através da frase podemos entender que cada um lutará pelo que quer e isso é perfeitamente observável ao longo do filme, por exemplo quando o pai de Simão não o apoia a conquistar Teresa, pois este está apenas preocupado em vencer a “guerra” que tem com o senhor Albuquerque, sendo por isso frio e nada sensível, não compreendendo o amor do seu filho.
3-     As principais alterações efetuadas na transposição do livro para esta versão cinematográfica são as profissões de algumas personagens, e alguns lugares da obra. No livro, Simão conhece Teresa em Viseu e não na escola como é aqui apresentado, as suas famílias são rivais e vizinhas, contrariamente ao que acontece no filme onde a rivalidade provém do emprego dos pais de Simão e Teresa (advogados); no livro João da Cruz é apresentado como Ferreiro, enquanto no filme este é um mecânico. Outra das principais diferenças é o local para onde o pai de Teresa a envia no fim da trama, no livro esta vai para um convento, enquanto no filme esta é enviada para uma clínica de recuperação de doenças mentais. Todas estas alterações são efetuadas para acompanhar a evolução temporal que aconteceu desde a publicação do livro, até ao dia em que o filme foi realizado.
4-     Este trajeto efetuado pelo livro é algo bastante interessante, pois provoca alterações muito significativas tanto em Simão como em Mariana, e ambas com o mesmo carácter, quando ambos pegam pela primeira vez no livro, é como se cada um deles despertasse para o amor; primeiro é Simão que pega no livro e pouco depois ao ver Teresa parece que se apaixona instantaneamente; num momento posterior, quando Mariana pega no livro, lê um excerto e parece também ela ficar apaixonada pela primeira pessoa que vê, neste caso Simão. É como se o livro despertasse amor em cada pessoa que o lê.
5-     A distância entre Simão e Teresa sofre também ela uma alteração no que diz respeito à forma como é tratada no livro e no filme. No livro essa distância era colmatada através de cartas que ambos trocavam, por seu lado o filme utiliza chamadas telefónicas no início e posteriormente mensagens enviadas por Teresa a uma criada, que as passa a Mariana e que finalmente as entrega oralmente a Simão, isto quando este se encontra preso.
6-     Todo o filme é em torno do amor, e existem vários tipos de amor que contrastam entre si, um dos exemplos mais claros são os amores de Teresa e Mariana por Simão. Mariana, que é das duas a que passa mais tempo com Simão, nunca lhe revela ao longo do filme que o ama, no entanto isso é por demais evidente, uma vez que esta o ajuda em tudo o que ele necessita, e no fim acaba também ela por morrer, visto que Simão também morre; este é um amor platónico, e Mariana sempre teve essa noção, no entanto prevalece permanece ao lado de Simão até ao fim do filme. Por seu lado, Teresa demonstra outro tipo de amor por Simão, principalmente porque é correspondida. Tal como acontece com Mariana, este também é um amor impossível, pois por situações exteriores a Teresa e Simão este era tentado destruir por quem os rodeava, o que no fim do filme aconteceu.
7-     Existem vários elementos trágicos presentes no filme, desde logo o desafio, que é possível de ser observado assim que entendemos que Teresa e Simão se apaixonam e que estes tentam a todo o custo alterar o seu destino para conseguirem ficar juntos; no entanto isso nunca acontece porque apesar de desafiarem o destino Teresa e Simão não o conseguem alterar acabando separados de forma brutal. Existe também o pathos durante todo o filme, inicialmente ele é observável em Simão que sofre por sentir que vive num mundo com o qual não se identifica; esta é a personagem que mais sofre durante todo o filme, pois mesmo quando encontra alguém com quem se identifica criam-lhe uma barreira que acaba por se revelar inultrapassável, fazendo-o sofrer até ao fim do filme, acabando este por sucumbir ao sofrimento e matar-se. Teresa também se encontra em sofrimento e esta também desde muito cedo, primeiramente por ser “prisioneira” de seu pai, o que no fundo acontece durante todo o drama; esta sofre também com a distância que tem de Simão, causada também ela pelo pai de Teresa que não a deixa ser livre. Por último, podemos também relatar o sofrimento de Mariana, este que é um dos sofrimentos mais dolorosos do mundo, porque Mariana sofre em silêncio, esta nunca revela a Simão que o ama, pois sabe que não é correspondida e sofre muito por isso sem que ninguém se aperceba; esta e tal como Simão, suicida-se no fim do filme ao saber que a pessoa que amava morrera. O climax é outro elemento trágico presente no filme, este que indica o ponto alto da ação, que a meu ver é a cena em que Teresa está a ser levada para a clínica e onde depois Simão aparece e mata o primo de Teresa, Baltazar; e considero este o momento chave da ação uma vez que é ele que condiciona todo o resto do filme, uma vez que após esse acontecimento Teresa e Simão nunca mais se encontram e entendem que o destino nunca os unirá, e por isso decidem morrer, pois assim talvez se possam unir não fisicamente em terra, mas espiritualmente.
8-     Tal como referido em duas das questões anteriormente respondidas, a meu ver a frase-chave é “vivemos ao lado uns dos outros e não juntos”, pois esta explica a forma de agir de quase todas as personagens, demonstrando que cada um luta apenas por si, e a cena-chave no meu entender é a cena em que tanto Simão como Teresa são “isolados”, uma vez que esta demonstra que apesar da luta de ambos o destino vai levar a melhor sobre aquele amor, sendo esta um marco importantíssimo, e refiro-me à cena em que Simão mata Baltasar e por isso é preso e em que Teresa é levada para a Clínica de recuperação.
9-     A música neste filme exerce um papel que pode ser comparado ao papel exercido em muitos livros pela descrição dos lugares em que as cenas são passadas, é como se também os lugares e neste caso a música fosse mais uma personagem. Nos livros a harmonia de cada lugar, ou a falta dela indica a tranquilidade ou o desassossego em que essa cena se irá desenrolar e aqui a música exerce o mesmo papel, demonstrando de algum modo o estado de espírito das personagens.
10-  Ao elaborar este filme, Mário Barroso decidiu intitular a obra como Um Amor de Perdição, uma vez que este é apenas um dos tantos casos em que existem duas pessoas que se amam e que acabam por não conseguirem ser felizes juntas pois o destino e as pessoas que as rodeiam não o permitem. Mário Barroso não quis generalizar esta obra, e ao colocar-lhe aquele artigo indefinido no início clarifica que este filme é apenas sobre um dos muitos amores deste género que infelizmente existem.
Rafael Calçada, 11ºB

1 comentário:

Noémia Santos disse...

Rafael

Muito bem. Um trabalho com empenho e reflexão muito interessante. Tive gosto em ler.

Atenção, apenas, à tendência para o uso desadequado dos pronomes - porque excessivo e quando o sujeito está já claramente expresso -, em especial do pronome demonstrativo.
Nada que tira relevância ao texto...mas boas ideias merecem sempre textos tão perfeitos quanto possível.