quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Os Maias, de Eça de Queirós - do 'ladear a Brígida' ao 'americano'

 «— E diga-me, Carlinhos, já vai adiantado nos seus estudos?
O rapaz, sem olhar, repoltreou-se, mergulhou as mãos pelos cós das flanelas, e respondeu com um tom superior:
— Já faço ladear a Brígida.
Então o avô, sem se conter, largou a rir, caído para o espaldar da cadeira:
— Essa é boa! Eh! Eh! Já faz ladear a Brígida! E é verdade, Vilaça, já a faz ladear... Pergunte ao Brown; não é verdade, Brown?
E a eguazita é uma piorrita, mas fina...
— Ó vovô — gritou Carlos já excitado — diz ao Vilaça, anda.
Não é verdade que eu era capaz de governar o dog-cart?[1]
Afonso reassumiu um ar severo.
— Não nego... Talvez o governasse, se lho consentissem. Mas faça-me o favor de se não gabar das suas façanhas, porque um bom cavaleiro deve ser modesto...»
cap. III

O colega G. Esteves, do 11º B, é cavaleiro de competição e teve a gentileza de nos fazer um vídeo com os vários passos - do ladear ao trote e ao galope. Aqui fica.



Como todos já se aperceberam, os cavalos têm uma presença constante em Os Maias. Não só na educação de Carlos - cuja grande proeza era já saber ladear a égua - mas ao longo da obra, pois as carruagens de todo o género referidas abundantemente são de tração animal.  Isto para além da 'famosa' Corrida no Hipódromo de Belém.
Eis alguns exemplos (do cap. X)



«E o Dâmaso apelou logo para o marquês. Não era verdade, como ele estivera dizendo ao Sr. Afonso da Maia, que iam ser as melhores corridas que se tinham feito em Lisboa? Só para o Grande Prémio Nacional, de seiscentos mil réis, havia oito cavalos inscritos!
E, além disso, o Clifford trazia a Mist.
— Ah, é verdade, ó marquês, é necessário que você apareça sexta-feira à noite no Jockey Club, para acabarmos o handicap

«No domingo seguinte, pelas duas horas, Carlos no seu faetonte de oito molas, levando ao lado Craft, que durante os dois dias de corridas se instalara no Ramalhete, parou ao fim do Largo de Belém, no momento em que para o lado do hipódromo estavam já estalando foguetes.»
«— Tudo isto está arranjado com decência — murmurou Craft.
Diante deles o hipódromo elevava-se suavemente em colina»

«Mas, quando daí a pouco Carlos quis atravessar, a pista estava fechada. Ia-se correr o Grande Prémio Nacional. Os números já tinham subido no indicador, um tom de sineta morria no ar. Um cavalo do Darque, o Rabino, com o seu jóquei de encarnado e branco, descia, trazido à rédea por um groom e acompanhado pelo Darque: alguns sujeitos paravam a examinar-lhe as pernas, com o
olho sério, afetando entender. Carlos demorou-se um momento também, admirando-o: era de um bonito castanho-escuro, nervoso e ligeiro, mas com o peito estreito

«E subitamente houve uma surpresa: enquanto eles tiravam os bilhetes, os cavalos tinham partido, passavam juntos diante da tribuna. Todos se ergueram, de binóculos na mão. O starter ainda estava na pista, com a bandeira vermelha inclinada ao chão: e as ancas dos cavalos fugiam na curva, lustrosos à luz, sob as jaquetas enfunadas dos jóqueis.
Então todo o rumor de vozes caiu; e no silêncio a bela tarde pareceu alargar-se em redor, mais suave e mais calma. (…) e pela pista verde, os cavalos corriam, mais pequenos, finalmente recortados na luz. (…)
— É Rabino! — exclamou por trás de Carlos um sujeito, de pé num degrau.
As cores encarnadas e brancas do Darque corriam com efeito na frente. Os dois outros cavalos iam juntos; e o último, num galope
que adormecia, era Vladimiro, outro potro do Darque, baio-claro, quase loiro à luz.»
«Aqui e além um dog-cart, mal arranjado, dava um trote curto pela relva. Numa vitória estavam as duas espanholas do
Eusebiozinho, a Concha e a Cármen, de sombrinhas escarlates. E sujeitos, de mãos atrás das costas, pasmavam para um char-à-
-bancs a quatro atrelado à Daumont"

Todos os excertos acima pertencem ao Cap. X
"— Oh, diabo!... E eu que disse ao Vilaça e aos rapazes para estarem no Bragança, pontualmente, às seis! Não aparecer por aí uma tipóia!...
— Espera! exclamou Ega. — Lá vem um americano, ainda o
apanhamos."
Cap. XVIII

Dog-cart

Chars-a-bancs
Tipóia

 Americano (1873)


Faetonte ou faeton
"Damaso,todo debruçado sobre Carlos, fazia-lhe o elogio da parelha ingleza, e d'aquelle phaeton que era a cousa mais linda que passeiava Lisboa."  Eça de Queirós, Os Maias 1888

Caleche

Fiacre
Vitória
Coupé (um dos 'táxis' do final do século XIX)

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