O DISCURSO DO REI
APRECIAÇÃO CRÍTICA (exemplo)
A II
Grande Guerra está prestes a explodir na Europa. O rei
George V está doente e caminhando para a morte.
Futuramente
o herdeiro do trono, o breve Rei Eduardo VIII abdica e deixa o comando para o seu
irmão mais novo, Albert Frederick Arthur George, ou
Bertie, para os mais íntimos. Bertie sofre de gaguez constante que não lhe permite
falar em público, exatamente no momento em que o povo mais precisa de uma voz
em tempos de crise. Para evitar futuras tragédias, Elizabeth, a sua mulher,
procura um especialista em problemas de voz fora dos padrões, Lionel Logue, que
promete curar a curiosa gaguez do rei temperamental.
O
argumento escrito por David Seidler parece ser centralizado no tratamento do
problema de Bertie. Mas, na verdade, o foco narrativo concentra-se totalmente
na amizade de Lionel e Bertie, num desenvolvimento conturbado, cheio de brigas
e desabafos, que encanta o espectador ao longo do filme. Bertie é apresentado
como uma figura constrangida, incapaz, tímida e nervosa.
A
experiência adquirida pela gaguez de que o argumentista deste filme, David Seidler,
sofria, permitiu que o argumento se aproximasse de uma maneira realista,
mostrando as causas cruéis que a causam e as suas diferentes intensidades,
dependendo do meio: no ambiente familiar é quase ausente, em lugar público, é
constante e intensa.
Muitos
dos diálogos entre o especialista em problemas da voz e o Rei foram tirados
diretamente do diário de anotações do Lionel Logue real.
No
primeiro diálogo em que Colin Firth se encontra com Geoffrey Rush existe uma
frase extremamente irónica: Firth diz que timing não é o forte dele: “Timing
isn´t my strong suite”, quando na verdade o seu timing é perfeito e preciso. A
sua grande experiência no teatro permitiu ao ator os seus olhares e expressões
contidas de terror e desespero que evidenciam o enorme conflito interno que o
personagem passa – o que é bem evidente na primeira cena do filme.
A
sua postura durante a maior parte do filme é um pouco curvada, o que lentamente
vai corrigindo, conforme a autoconfiança começa a aumentar. E claro, o maior
destaque de sua atuação – a gaguez, vem de forma tão natural e espontânea para
ele, que é difícil acreditar que realmente se trata de uma atuação. O ator
soube controlar a gaguez e os compulsivos sons guturais, provando o trabalho
intenso que teve para exercitar a voz.
Geoffrey
Rush utilizando técnicas tiradas do teatro diverte o público com a sua personagem
extrovertida, cheia de caretas e respostas elaboradas nos diálogos com Firth.
Um depende do outro para brilhar, tanto que as melhores partes do filme são as
que eles contracenam juntos – uma verdadeira aula de teatro clássico. Helena
Boham Carter atua de maneira bem contida e elegante, coerente com o seu papel,
além de conseguir aproximar a sua personagem do público.
A
fotografia de Danny Cohen é pálida, fria e, de certa forma bucólica. As cores
mortas predominam e trabalham com belas texturas. E transforma a iluminação de
sombria para clara de acordo com o progresso do tratamento de Bertie e da
amizade com Lionel.
A
direção artística realizou um trabalho impecável na composição dos cenários, ou
seja, nos objetos com que os atores interagem, principalmente as réplicas dos
microfones. Um cenário que impressiona muito pela riqueza de detalhes e
fidelidade histórica. Trabalha várias vezes com espaços apertados como
corredores e quartos pequenos principalmente na casa do protagonista
conseguindo passar a impressão sufocante da gaguez incómoda da personagem.
Quanto
à banda sonora, em boa parte das músicas existe uma repetição de notas e
escalas que joga com a monotonia e repetição das sílabas e de sons que saem da
boca do Rei. Algumas até contam com uma longa pausa completamente sem som,
apenas com um violino constante e cruel a fim de deixar a cena mais angustiante
como a que se passa no Estádio de Wembley e também retratar o problema de
comunicação de que o Rei sofre. Os efeitos sonoros também são muito percetíveis
logo na primeira cena do filme onde a voz de Bertie ecoa no estádio por causa
das caixas de som e dos microfones precários da época.
O
maior mérito de Hooper foi ter conseguido criar um filme que agrada ao mesmo
tempo tanto aos mais críticos quanto ao grande público, aos que realmente
querem envolver-se em toda a história e cultura que ele tem a oferecer.
Matheus Fragata (texto adaptado)
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