quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Frei Luís de Sousa - Diário de D. João de Portugal 1

15 de Junho de 1578
Deixo para trás a minha querida Madalena sem filhos e com dezassete anos, juntamente com
o escudeiro fiel de meu pai e meu grande amigo, Telmo Pais, para me aventurar na expedição d'El-
Rei D.Sebastião, em direção a Marrocos, com a intenção de reaver a glória que já fora nossa, nos
tempos da Conquista de Ceuta. De Lisboa, parto com os meus companheiros de armas que
partilham do fervor patriótico que nos impele a enfrentar a afronta moura e a mostrar o verdadeiro
valor do coração lusitano.
Mas o o meu coração está inquieto pois sabe que, por obra da fortuna, posso nunca mais
voltar a ver a minha amada Madalena, dona do meu coração, e Telmo, meu querido Telmo, que me
criou tal como filho e que eu vejo tal como pai. Ó pobre de mim se fico estendido e privado de
forças naquele campo de batalha, que Nosso Senhor me dê forças e que neste momento nos guie em
direção à vitória pela qual tanto ansiámos depois de todos os esforços de preparação por parte de El-
Rei.
 

4 de Agosto de 1578
Espero que Madalena entenda a minha carta: "Vivo ou morto , Madalena hei de ver-vos pelo
menos ainda mais uma vez neste mundo." Aconteça o que acontecer, nem que morra, o meu espírito
irá ter com ela para a reconfortar e, se sair daqui vivo, irei arranjar forma de me encontrar junto dela
outra vez, que o meu coração irá sempre pertencer à minha encantadora Madalena.
O meu coração está a palpitar nesta madrugada antes da grande batalha e temo que a fortuna
se possa virar contra mim, mas investiremos sem segundos pensamentos juntamente com El-Rei D.
Sebastião em direção à nossa devida vitória!
Sairemos daqui a pouco do nosso acampamento que se situa perto de Alcácer-Quibir, e
iremos dirigir-nos a o campo de batalha para decidir quem sairá vitorioso. Irei fazer as minhas
preces antes de sair para a peleja, e que Deus me proteja e fortaleça, assim como espero que faça
pelos meus companheiros.


6 de Agosto de 1578
Ó meu coração! Como a tua inquietação não me enganou, devia ter tomado o teu conselho,
mas o meu espírito não quis prescindir do calor da batalha!
Este será considerado como um grande dia de amargura para todos os portugueses durante
séculos por vir. Perder tantos valentes homens e pior, o nosso destemido rei no mesmo dia, sobre as
mãos dos mouros! Que má obra da fortuna também é para todas as mulheres e filhos destes
homens!Fui feito cativo pelos infiéis, juntamente com vários outros, sem saber o que farão com a
minha vida. Como me arrependo de não ter ficado em Portugal, no leito da minha querida
Madalena. E como Telmo irá ficar de rastos quando souber do meu paradeiro!


17 de Setembro de 1579
Depois de ter sido capturado em batalha os meus captores trouxeram-me para Jerusalém
para me usar como bem de troca. Fui feito escravo de um dos grandes governadores desta terra que
é santa e que lhes não pertence. Receio que nesta condição, ao serviço dos mouros, se torne quase
impossível de cumprir a minha promessa a Madalena, mas eu jurei, e não há juramento maior do
que o de um português nobre e bravo que sempre luta de coração contra todas as adversidades e
angústias. Nem que todo o peso do mundo caia sobre mim, cumprirei a minha promessa, vivo ou
morto.
 

31 de Maio de 1592
Ainda depois destes anos todos, da minha esperança em tornar a ver Madalena ter começado
a esmorecer, de ter sido feito cativo pelos mouros, me encontro na cidade de Jerusalém junto de
onde Cristo professou o seu amor pela humanidade. Neste lugar onde Deus caminhou como homem
não fui capaz de meditar nos mistérios da sua Sagrada Paixão onde é imperativo que se o faça pois,
como homem que sou, sinto-me com eternas saudades da minha pátria, daqueles que amo, daquilo
que deixei no campo de batalha de Alcácer-Quibir e disso não consigo desviar o pensamento.
Nunca pediram o meu resgate e submeteram-me a forçosos trabalhos e muita fome e, Deus
me perdoe, haviam dias em que a minha fé desvanecia. Talvez Deus quis me castigar pela minha
imprudência, fazer-me passar por todo este sofrimento, mas que castigo pode haver por um nobre
lusitano querer entregar a sua força e coração na mão do seu bravo Rei? No entanto será para todo o
sempre algo pela qual me arrependerei..
Apenas continuo a viver na esperança de cumprir o que prometi a Madalena...


10 de Janeiro de 1599
Este é o dia pelo qual sempre ansiei. Fui finalmente libertado das mãos dos meus captores.
Vou poder, se Deus quiser, tornar a ver Madalena, que sempre permaneceu no meu coração a
encorajar-me e fortalecer-me, Telmo Pais, se a idade ainda não lhe cortou o alento, e a minha amada
pátria. Finalmente irei regressar para junto de tudo aquilo que deixei naquele sangrento dia de
batalha, tornarei a ser um pouco mais do homem que morreu naquele doloroso dia, livre e com
novas esperanças no futuro...


12 de Janeiro de 1599
Fui hoje ao Calvário onde Nosso Senhor foi crucificado, morto e sepultado. Pedi-Lhe, sobre a pedra do seu Santo Sepulcro, que em segurança retornasse a Portugal. Regressarei como um
homem novo, um todo-nada do homem que partiu para a batalha de Alcácer-Quibir e do homem
que tantos padecimentos suportou nesta Santificada Terra.


28 de Janeiro de 1599
Encontro-me agora na costa de Jafa, ao abrigo de missionários da Santa Igreja, e preparo-me para embarcar num navio que traça a sua rota para a minha doce Lisboa, a minha amada pátria, mas melhor que tudo isso, traça a sua rota para o leito da minha amada Madalena! Não posso esperar por lhe dizer o quão a amo, contar-lhe que foi a esperança de a tornar a ver que me fez resistir a todo
este martírio.


8 de Abril de 1599
Chego a Lisboa um dia antes do Dia da Paixão de Cristo. Que saudades que eu tinha da
minha terra pátria, houve alturas em que achei que nunca mais veria o meu bom Portugal..
Mas deixe-se as lamentações para trás, vou procurar Madalena e cumprir a promessa que há
21 anos lhe fiz e voltar para os seus braços, onde sempre pertenci.


9 de Abril de 1599
Quão melhor teria sido se tivesse ficado junto de todos os nobres guerreiros que deram a sua
vida em Alcácer-Quibir! Ou que tivesse morrido na minha prisão em Jerusalém! De facto D. João
de Portugal morreu na Terra Santa, a única coisa que sobrou foi a sua sombra, sombra a quem nada
pertence do homem que a projetou. Descobri que a minha amada Madalena me trocou por outro
homem: D.Manuel da Sousa Coutinho. Que teve uma filha com esse homem, que ela tanto ama,
chamada Maria e que o meu antigo amigo, que fora meu pai, serve agora como aio desta malfadada
família!
Será que Madalena, a mulher que amo e sempre amei, que me deu esperança nos meus dias
mais sombrios, fez a sua felicidade com a minha morte? E Telmo, será que ainda me toma por seu
filho? Preciso de saber se morri mesmo naquele dia de batalha.
Irei confrontar Madalena na minha.. nossa antiga casa.. onde ela agora se encontra a morar
com a sua família.


11 de Abril de 1599
Que nunca mais se ouça falar em D. João de Portugal, o homem que outrora fui morreu em Alcácer-Quibir.
Não tive coragem de revelar a minha identidade em frente a Madalena, fingi-me de
companheiro de prisão de D. Jõao de Portugal e que trazia novas suas dizendo que D. João ainda se
encontrava vivo e com ânsias de a tornar a ver mas que estava cativo. Com esta revelação a vida de
Madalena estilhaçar-se-ia, e Maria, sua querida filha, passaria agora a ser fruto do pecado. Não fui
capaz de destruir a mulher que tanto amo, que tanto me seduz, sem mais nem menos; numa última
conversa com Telmo, depois de lhe revelar a minha identidade, pedi-lhe que fosse dizer que o
peregrino era impostor.
Só espero que Madalena seja feliz com o homem que ama, e sua filha. Abandonei hoje o
meu antigo eu. Telmo já não me vê como filho, o tempo tratou de o fazer assim, e o meu amor por
Madalena, apesar de sempre presente, nunca será recíproco.
Ó amargo fado? Porque planeaste tanta amargura para mim, mesmo depois de morto?


21 de Abril de 1599
Ó que amargura, que tristeza! Nem da minha querida Madalena Deus poupou o castigo! E porquê, Senhor, porquê? Porque tiveste de castigar a flor de Manuel e Madalena e despedaçar o coração de seus pais?
Porque é que não me impediste de embarcar naquela funesta jornada, ou me fizeste perecer
naquele campo de batalha? Porque me fizeste aguentar tanta dor, durante tantos anos, apenas para
voltar aonde o meu coração sempre teve morada e fazer ruir o mundo de todos aqueles que eu
sempre amei?


Realizado por :
Miguel G. M., 11ºA

1 comentário:

Noémia Santos disse...

Esta é a primeira - e muito interessante - ficção, recriada com base na peça, mantendo o fio da ação e o caráter das personagens.
Obrigada a todos os que criaram texto.

Neste caso, parabéns ao Miguel.