A «Arte Poética» corresponde a uma definição pessoal e subjetiva acerca do significado que cada poeta atribui à sua arte, à relação que mantém com a escrita e à forma como encara o ofício de escrever versos.
Eis o modo como Sophia de Mello Breyner Andresen caraterizou a sua «arte poética»
Arte Poética
II
A poesia não
me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser.
Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência
nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma
consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do
que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna.
Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma
túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva
sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e
compacta.
Pois a
poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas,
a minha paiticipação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por
isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da
janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros,
aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da
noite, perfume da tília e do orégão.
É esta
relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação
poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o
artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética.
Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das
artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como
nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia a
qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo»,
«barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua
ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua
beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu
poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a
poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso
como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos,
exactamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos
momentos entre si.
E no quadro
sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a
minha vida.
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