quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Poetas do Século XX

Almada Negreiros, poeta, pintor, cenógrafo (1893 - 1970)
Excerto do Manifesto Anti-Dantas
(Dantas era um escritor da época, estimado em certos meios literários)

MORRA O DANTAS, MORRA!Mão.jpg (2277 bytes) PIM!
O DANTAS NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE ESCREVEM SABEM ESCREVER!
(...)
O DANTAS É UM SONETO D'ELLE-PRÓPRIO!
MORRA O DANTAS, MORRA! Mão.jpg (2277 bytes)PIM!
PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO OMUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO!

MORRA O DANTAS, MORRA! Mão.jpg (2277 bytes)PIM!

José de Almada-Negreiros

POETA D'ORPHEU
FUTURISTA
e
TUDO

Alguma poesia do século XX continua a registar formas poéticas vindas da tradição e conformes às convenções poéticas anteriores (ex. a poesia de Florbela Espanca, com a persistência da forma poética fixa soneto, comum a muitos autores).

Também mantém alguns traços fortes da nossa poesia desde as origens, como o humor ou a presença de motivos como o «mar».
Todavia, caracteriza-se, genericamente, por uma ruptura, total ou parcial, com os preceitos das convenções poéticas. Assim, regista-se:
A nível formal
  • O abandono das formas poéticas fixas em favor das formas poéticas livres
  • O recurso à estrofe livre ou polimétrica - que combina versos com medidas diferentes e agrupados sem obediência a qualquer regra formal fixa (em vez de estrofe simples ou isométrica, quer dizer, estrofe que se forma de versos de igual medida)
  • O frequente emprego do verso branco/livre (verso sem rima);
  • O aproveitamento poético da linguagem quotidiana, «prosaica» (normalmente mais associada com a prosa);
  • O emprego de palavras tradicionalmente consideradas não poéticas;
  • A pontuação e ritmo livres;
  • A subversão de normas gramaticais e de convenções da escrita; por ex. a ausência de pontuação e de maiúsculas ou o uso exclusivo de maiúsculas ou a mancha gráfica que joga com os carateres tipográficos

A nível temático
  • Abertura a temas muito diversificados - psicológicos, filosóficos, sociais - tudo pode ser tema de poesia;
  • Esbatimento de limites entre o poético e o não-poético:
  • Interesse quer pelas emoções e sentimentos íntimos do sujeito, quer pelos dramas, grandezas e misérias do homem comum, da sociedade, do quotidiano;
  • A escrita, o ato poético, a palavra são em si temas de muita poesia do séc. XX
  • Em muitos autores, marca presença uma poesia que descreve e reflete sobre os problemas da realidade contemporânea, numa atitude comprometida;
  • A diversidade e originalidade dos poemas introduzem uma grande abertura interpretativa, com multiplicidade de sentidos e associações.

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Os olhos do poeta
O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

Manuel da Fonseca, Poemas completos

Manuel da Fonseca, na sua juventude


Amostra sem valor
Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho)


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