Excerto do Manifesto Anti-Dantas
(Dantas era um escritor da época, estimado em certos meios literários)
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
O DANTAS NASCEU PARA PROVAR QUE, NEM TODOS OS QUE ESCREVEM SABEM ESCREVER!
(...)
O DANTAS É UM SONETO D'ELLE-PRÓPRIO!
MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!
PORTUGAL QUE COM TODOS ESTES SENHORES, CONSEGUIU A CLASSIFICAÇÃO DO PAIZ MAIS ATRAZADO DA EUROPA E DE TODO OMUNDO! O PAIZ MAIS SELVAGEM DE TODAS AS ÁFRICAS! O EXILIO DOS DEGRADADOS E DOS INDIFERENTES! A AFRICA RECLUSA DOS EUROPEUS! O ENTULHO DAS DESVANTAGENS E DOS SOBEJOS! PORTUGAL INTEIRO HA-DE ABRIR OS OLHOS UM DIA - SE É QUE A SUA CEGUEIRA NÃO É INCURÁVEL E ENTÃO GRITARÁ COMMIGO, A MEU LADO, A NECESSIDADE QUE PORTUGAL TEM DE SER QUALQUER COISA DE ASSEIADO!
José de Almada-Negreiros
POETA D'ORPHEU
FUTURISTA
e
TUDO
Alguma poesia do século XX continua a registar formas poéticas vindas da tradição e conformes às convenções poéticas anteriores (ex. a poesia de Florbela Espanca, com a persistência da forma poética fixa soneto, comum a muitos autores).
Também mantém alguns traços fortes da nossa poesia desde as origens, como o humor ou a presença de motivos como o «mar».
Todavia, caracteriza-se, genericamente, por uma ruptura, total ou parcial, com os preceitos das convenções poéticas. Assim, regista-se:
A nível formal
- O abandono das formas poéticas fixas em favor das formas poéticas livres
- O recurso à estrofe livre ou polimétrica - que combina versos com medidas diferentes e agrupados sem obediência a qualquer regra formal fixa (em vez de estrofe simples ou isométrica, quer dizer, estrofe que se forma de versos de igual medida)
- O frequente emprego do verso branco/livre (verso sem rima);
- O aproveitamento poético da linguagem quotidiana, «prosaica» (normalmente mais associada com a prosa);
- O emprego de palavras tradicionalmente consideradas não poéticas;
- A pontuação e ritmo livres;
- A subversão de normas gramaticais e de convenções da escrita; por ex. a ausência de pontuação e de maiúsculas ou o uso exclusivo de maiúsculas ou a mancha gráfica que joga com os carateres tipográficos
A nível temático
- Abertura a temas muito diversificados - psicológicos, filosóficos, sociais - tudo pode ser tema de poesia;
- Esbatimento de limites entre o poético e o não-poético:
- Interesse quer pelas emoções e sentimentos íntimos do sujeito, quer pelos dramas, grandezas e misérias do homem comum, da sociedade, do quotidiano;
- A escrita, o ato poético, a palavra são em si temas de muita poesia do séc. XX
- Em muitos autores, marca presença uma poesia que descreve e reflete sobre os problemas da realidade contemporânea, numa atitude comprometida;
- A diversidade e originalidade dos poemas introduzem uma grande abertura interpretativa, com multiplicidade de sentidos e associações.
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Os olhos do poeta O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.
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Manuel da Fonseca, Poemas completos
Manuel da Fonseca, na sua juventude
Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.
António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho)
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