sexta-feira, 13 de abril de 2012

E Zé Fernandes?

Fernandes voltou a Paris e lá, sentindo-se abandonado e cheio de tédio, descobriu-se rodeado de criaturas fúteis, a viverem uma vida falsa e mesquinha.

Achou que os antigos conhecidos - que lhe pareciam sujeitos civilizados - eram criaturas frágeis e vazias, idênticas entre si e “massas” impessoais, sem carácter, dispostas – conforme a conveniência pessoal – a agradar ou desagradar aos outros.

Boulevard des Capucines, uma das ruas centrais de Paris, no final do século XIX
«Arrastei então por Paris dias de imenso tédio. Ao longo do Boulevard revi nas vitrinas todo o luxo, que já me enfartava havia cinco anos, sem uma graça nova, uma curta frescura de invenção.» e «À noite, nos teatros, encontrava a cama, a costumada cama, como centro e único fim da vida, atraindo, mais fortemente que o monturo atrai os moscardos, todo um enxame de gentes, estonteadas, frementes de erotismo. »
Interior de um salão na Belle Époque

Não suportou a cidade e retornou a Portugal.
José Fernandes acaba por espantar-se consigo próprio e deixa-nos a nós a pensar:
“Oh senhores!”, pensava eu “pois não me divertirei nesta deliciosa cidade?” Entrara comigo o bolor da velhice?"

 

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Lê um excerto duma carta de Paris, enviada por Eça de Queirós, em 1894.

Eça de Queirós na sua última residência de Neuilly - c. 1893

    «Não sei se falei já do calor. Está terrífico. E o que o toma mais duro de atravessar é a greve dos cocheiros. Paris está sem tipóias – o que é, sobretudo neste momento, como o deserto sem camelos. Se nesta supercivilizada cidade o serviço dos ónibus ou dos bondes fosse fácil, exacto e rápido, a falta de carruagens não causaria desgostos – e seria mesmo uma salutar instigação à economia. Mas o ónibus e o bonde em Paris são instituições rudimentares. E mais fácil para um parisiense entrar no céu – do que num ónibus. Para obter o lugar na bem-aventurança basta, segundo afirmam todos os santos padres, ter caridade e humildade. Para obter o lugar no ónibus, estas duas grandes virtudes são inúteis – e mesmo contraproducentes. Antes o egoísmo e a violência.
 Depois de conquistado o lugar, a outra dificuldade insuperável é sair dele – por aquele meio natural e lógico que consiste em chegar e apear. Nunca se chega – senão quando já é desnecessário. Eu e um amigo partimos um dia da gare de Orleães, à mesma hora; eu no comboio para Portugal, ele no ónibus para o Arc de l’Étoile. Quando eu cheguei a Madrid soube, por um telegrama, que o meu amigo ia ainda na Praça da Concórdia. Mas ia bem. O ónibus em Paris é o grande refúgio e local do namoro. Quanto mais comprida a jornada, mais demorado portanto o encanto. O meu amigo encontrara no seu ónibus a criatura dos seus sonhos. Era uma loura com sardas prometedoras. Quando enfim chegaram ao Arco da Estrela estavam noivos ou pior. São estas pequenas comodidades da vida sentimental que conservam a freguesia aos ónibus. (...)

A moda, ou antes aqueles que a fazem, acaba de tomar uma resolução sapientíssima. Paris, de ora em diante, fica sendo considerado, durante os meses de Verão, para todos os efeitos sociais, como campo e não como cidade. E permitido, portanto, passear, fazer visitas, ir ao teatro, etc., de chapéu de palha, jaquetão claro e botas brancas. Nada mais justo. Era com efeito absurdo que Paris nos servisse trinta graus à sombra – e que os Parisienses continuassem a sofrer a tirania da sobrecasaca apertada e do duro chapéu alto. A moda mesmo deveria ir mais longe e permitir a tanga. O vestuário foi inventado por causa da temperatura, e deve portanto variar com ela harmonicamente. A neve pede peles, peles suplementares, arrancadas a animais. O sol do Senegal ou de Paris, em Julho, só pede a própria pele – sem mais nada, além de uma folha de vinha. Esta seria a lógica das coisas. A moda não ousou ser tão radical – e foi só até à palha e à alpaca.
Mas é um primeiro passo no bom senso. Para o ano, talvez nos seja permitido o ir à Ópera, como deveríamos, em mangas de camisa.»





Eça de Queirós, Ecos de Paris, IV, disponível em

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