sábado, 14 de abril de 2012

Crítica ao livro A Cidade...

Teolinda Gersão, «A Cidade de Ulisses», Sextante, 206 pp.
Novo romance tem já nas bancas Teolinda Gersão.


 Teolinda acusa, põe o dedo na ferida, sem medos e falsos rodeios ou rodriguinhos vai ao osso, dando a ver, gritando para quem não o queira fazer, os podres de um Portugal que é o de hoje, mas também, no seu pior (e por vezes no melhor) já era o de ontem, ou de ontens! (...)

Numa espécie de contraponto ou claro-escuro, temos por outro lado uma comovente história de amor [com] dois protagonistas. Ele, pelo desespero existencial da sua essência de solitário, «lobo» que ainda assim ama, que ainda assim perde, que ainda assim busca e sofre numa espécie de auto-exílio. Ela, pela força das decisões, dos rumos escolhidos, da desdita para a qual o destino a empurra. E aqui enreda-se o contar numa outra vertente do livro, o modo como cita e recria (homenageando) o mito de Ulisses.

É que, na verdade, assistimos neste desfiar de enredo a uma espécie de «Ulisses» ao contrário. Um «Ulisses» invertido em que, aqui, é Penélope que parte deixando Ulisses num vazio angustiante, numa espera que se eterniza e que o levará mesmo (às portas do desespero) a partir em busca de Penélope, sem saber que o fio do seu destino comum há muito se partiu. «Tinhas partido e era eu que ficava em casa, à tua espera. Como Penélope, era eu que te esperava, que mantinha a esperança. Contra o mais elementar senso comum.» Uma analogia que é tanto mais palpável quanto se percebe que, a exemplo de Ulisses que foi morto pelo seu filho, também este nosso Ulisses (de Teolinda, entenda-se) acaba, indirectamente, por morrer (ainda que não fisicamente) por via do seu filho, que de algum modo renegou, que, não tendo sequer nascido, acabou por gerar a morte futura do seu progenitor; algo que se traduz ainda, e curiosamente, por via de um excesso, ou liberdade ficcional muito interessante, que estende o limite da tragédia transpondo para Penélope (Cecília) a morte física e a consequente morte psicológica e existencial de Ulisses (leia-se Paulo Vaz).
Finalmente, «A Cidade de Ulisses» resulta num belo tributo a Lisboa. Quanto a mim, (...) aludindo ao melhor de Lisboa, as suas ruas, as suas gentes, o seu ar, a sua luz – mas, voltamos a sublinhar, sem se demitir de elencar os seus “pecados” , Teolinda tece-nos aquilo que, em pintura, seria algo parecido com uma aguarela. Tudo, de resto, como habitual no dizer de Teolinda, respira contenção, luz, serenidade e apaziguamento. Numa palavra: sensibilidade."

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