segunda-feira, 14 de março de 2016

Shakespeare - Romeu e Julieta

Na continuação das nossas leituras sobre o tema do Amor, e a pedido, aqui fica a cena que referimos, para os que já não conseguiram na biblioteca.

William Shakespeare (1564-1616), Romeu e Julieta
- Tragédia escrita entre 1591 e 1595. 1ª edição - 1597 -

Cena da Varanda*
Atores Leonard Whiting (18 anos) e Olivia Hussey (17 anos) no filme Romeo e Giulietta, de Franco Zeffirelli, de 1968

[Surge Julieta em cima]

ROMEU:
Calma!, que luz é aquela na janela?
É o leste e traz Julieta como um sol.
Sobe, formoso sol, e mata a lua,
Que sofre da anemia do ciúme,
Pois tu, sua devota, és mais formosa:
Não ‘stejas ao serviço da ciumenta:
Seu hábito vestal é doença verde
Que só os tolos usam, tira-o já.
Minha senhora, Oh!, meu grande amor!
Oh!, se ela já o soubesse!
Parece que ela fala sem falar…
Respondo a esses olhos que conversam?
Que audaz! Não é a mim que el’s se dirigem:
Ausentes em trabalho, duas estrelas
Pediram aos seus olhos p’ra brilharem
Nas órbitas enquanto elas não voltam.
E se entre si trocassem de lugar?
Sua face humilharia essas estrelas
(Um sol p’ra duas candeias), e os seus olhos
Escoariam no céu tão grande brilho
Que as aves cantariam em delírio.
Como ela apoia o rosto sobre a mão!
Fosse eu nessa mão luva p’ra poder
Tocar seu rosto!

JULIETA:
Ai de mim!

ROMEU:
Falou:
Oh!, fala uma outra vez, anjo brilhante,
Pois nesta noite tu és gloriosa
Como é no céu o alado mensageiro
P’ra os olhos revirados em espanto
Dos mortais que se inclinam para o ver
Quando ele monta nuvens indolentes,
E voga em pleno âmago do ar.

JULIETA:
Por que razão, Romeu, és tu “Romeu”?
Nega o teu pai e o nome que vem dele,
Ou então jura que és o meu amor,
E eu não mais saberei ser Capuleto.

ROMEU:
Ouço ainda ou respondo já a isto?

JULIETA:
Por inimigo tenho só teu nome,
Montéquio ou não, tu és sempre tu mesmo.
O que é “Montéquio”? Não é mão nem pé,
Nem braço, rosto, nada que componha
Um corpo humano. Sê um outro nome.
Vale isso o quê? Teria a rosa odor
Tão doce se outro nome fosse o seu.
A cara perfeição que Romeu tem
Também se manteria se ele assim
Não se chamasse. Despe esse teu nome,
E em troca desse título acessório
Toma-me a mim.

ROMEU:
Eu tomo a tua palavra:
Não mais serei “Romeu” daqui em diante,
Batiza-me de novo como “amor”.

JULIETA:
Que homem és tu que oculto em plena noite
Invades meus cuidados?

ROMEU:
Por um nome
Não sei como dizer-te quem eu sou:
Odeio, amada santa, este meu nome,
Pois ele é para ti um inimigo.
Fosse el’ palavra escrita e rasgá-lo-ia.

JULIETA:
Ainda não ouvi uma centena
Destas falas e já conheço o som:
Não és tu tão Romeu quanto Montéquio?

ROMEU:
Nenhum, donzela, se ambos te desgostam.

JULIETA:
Diz-me: como e porquê chegaste aqui?
Os muros do pomar são escarpados,
E, sendo tu quem és, o sítio é morte
Se algum dos meus parentes te encontrar.

ROMEU:
Com asas muito leves sobrevoei
Tais barreiras de pedra derrotadas
Por quanto o amor é fiel ao seu possível:
Teus parentes não são maior entrave.

JULIETA:
É certa a tua morte, se el’s te virem.

ROMEU:
Ai!, nos teus olhos há bem mais perigo
Que em vinte espadas: olha com doçura,
E serás meu escudo contra o ódio.

JULIETA:
Só ‘spero que ninguém te veja aqui!

ROMEU:
Pelo manto da noite estou oculto,
E até me conviria essa tal morte,
Se, não me amando tu, me parecesse
Demasiado comprida a minha vida.

JULIETA:
Quem te disse o caminho para cá?

ROMEU:
O amor deu-me vontade e orientação,
E eu retribuí confiando-lhe os meus olhos.
Se estivesses tão longe quanto as praias
Mais longínquas, não sendo eu marinheiro,
Partiria por tal mercadoria.

JULIETA:
Se eu não tivesse a máscara da noite,
Tudo aquilo que ouviste pintaria
Um rubor de donzela em minha face.
Deveria negá-lo por decoro:
Só que às boas maneiras digo “adeus”!
Tu amas-me? Já sei que dirás “Sim”,
E em ti eu confiarei. Mas quem mais jura,
Mais mente: dos perjúrios dos amantes
Riem-se os deuses. Oh!, meu bom Romeu,
Se me amas, sê sincero quando o assumes:
Ou se achas que pareço mulher fácil,
Eu mostro-me perversa e digo “não”,
Na condição de assim me cortejares.
‘stou perdida de amor, belo Montéquio,
Pareço libertina à conta disso:
Mas, confia, serei bem mais fiel
Que aquelas que se mostram virtuosas.
Deveria ter tido mais recato,
Mas, se ouviste a verdade deste amor,
Foi sem querer. Desculpa, não confundas
Com ligeireza a minha rendição
Que a noite ‘inda que escura revelou.

ROMEU:
Senhora, pela santa lua eu juro,
Pela prata com que ela cobre as árvores –

JULIETA:
Não jures pela lua, essa inconstante
Que em sua esfera muda mês a mês,
Não vá ser teu amor assim volúvel.

ROMEU:
Por quem devo jurar?

JULIETA:
Oh!, por ninguém:
Ou então, por tua graça apenas jura,
És o Senhor da minha adoração,
Da fé toda a razão.

ROMEU:
Se o meu amor –

JULIETA:
Não jures. A alegria que me dás,
Não a sinto no pacto desta noite:
É súbito demais, irrefletido,
Relâmpago já findo no momento
Em que é posto em palavras. Sim, boa noite!
Quando me reencontrares, o ar do estio
Terá feito o botão do amor florir.
Boa noite, seja suave o teu descanso
Como aquel’ que em meu peito mora manso.

ROMEU:
Oh! deixar-me-ás assim insatisfeito?

JULIETA:
Mas qual satisfação querias hoje?

ROMEU:
Só a troca das juras fieis de amor.

JULIETA:
A minha, sem ma ter’s pedido eu dei-ta:
Ah!, se ela em minha posse ‘inda estivesse…

ROMEU:
Com que intenção, amor? P’ra a retirares?

JULIETA:
Para ta dar de novo, com candura.
E, contudo, desejo o que já tenho.
Pois sou tão generosa quanto o mar,
E tão profunda: quanto mais te dou,
Mais tenho, é dupla a nossa infinidade.
Ouço ruído lá dentro. Amor, adeus! –
[Fora de cena, a ama chama por Julieta]
Já vou, ama! – Montéquio, sê leal.
Fica apenas um pouco, que eu já volto.

ROMEU:
Oh! noite tão bendita que me faz
Recear que por ser noite eu viva um sonho,
Um deleite que iluda a realidade.
[Surge Julieta em cima]

JULIETA:
Duas palavras, amor, e então boa noite.
Se pretendes honrar-me em casamento,
Informa o mensageiro que amanhã
Eu te enviarei, da hora e do lugar
Em que o ritual será cumprido, e então,
A teus pés estará minha fortuna,
E seguir-te-ei, senhor, por toda a parte.
 
[Fora de cena, a ama chama: “Minha senhora!”]
 
Já vou. – Mas se não tens intenções puras,
Imploro-te –
 
[Fora de cena, a ama chama: “Minha senhora!”]
 
Eu vou já sem demora. –
Que a luta cesses, deixa-me em pesar.
Amanhã se fará.

ROMEU:
Disso dependo –

JULIETA:
Mil vezes boa noite!

ROMEU:
Mil vezes entristeço sem tua luz.
O amor do amor se afasta com o amuo
Da criança que retorna para o estudo.
[Surge Julieta de novo em cima]

JULIETA:
Ouve! Tivesse eu voz de falcoeiro,
P’ra fazer regressar a minha ave!
A servidão é rouca, fala baixo,
Senão eu forçaria a gruta de Eco,
P’ra lhe impor rouquidão maior que a minha
Com a repetição do meu “Romeu”.

ROMEU:
É a minha própria alma que me chama.
Que bem soam à noite os namorados,
P’ra quem os ouve fazem suave música!


JULIETA:
Romeu!

ROMEU:
Avezinha?

JULIETA:
A que horas, amanhã, te envio alguém?

ROMEU:
Quando soarem as nove.

JULIETA:
Cumprirei: são vinte anos até lá.
Mas que outra coisa eu vinha te dizer?

ROMEU:
Até te recordares fico aqui.

JULIETA:
Só me recordarei de como gosto
Da tua companhia, fica então.

ROMEU:
Não hás de ter nenhuma outra lembrança,
Nem eu hei de ter poiso senão este.

JULIETA:
Sendo quase manhã, quero que partas:
Não mais, porém, que a ave do garoto
Que a deixa voar um pouco da sua mão,
Prisioneira em grilheta retorcida,
E com fio de seda a traz de volta
Da liberdade até ao seu ciúme.

ROMEU:
Fosse eu essa tua ave.

JULIETA:
Digo o mesmo:
Mas ser-te-ia letal tanto cuidado.
Boa noite! É dor tão doce o ir’s embora,
Que eu direi boa noite até à aurora.

ROMEU:
More sono em teus olhos, paz no peito!
Fosse eu tal sono e paz nesse teu leito!


 Verona, Itália - a varanda de Julieta

* Tradução da Cena da Varanda por Pedro Ludgero, disponível em http://www.pedroludgero.com/orfeudecorpointeiro/traducao-da-cena-da-varanda-de-romeu-e-julieta/

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