Na continuação das nossas leituras sobre o tema do Amor, e a pedido, aqui fica a cena que referimos, para os que já não conseguiram na biblioteca.
William Shakespeare (1564-1616), Romeu e Julieta
- Tragédia escrita entre 1591 e 1595. 1ª edição - 1597 -
Cena da Varanda*
Atores Leonard Whiting (18 anos) e Olivia Hussey (17 anos) no filme Romeo e Giulietta, de Franco Zeffirelli, de 1968
[Surge Julieta em cima]
ROMEU:
Calma!, que luz é aquela na janela?
É o leste e traz Julieta como um sol.
Sobe, formoso sol, e mata a lua,
Que sofre da anemia do ciúme,
Pois tu, sua devota, és mais formosa:
Não ‘stejas ao serviço da ciumenta:
Seu hábito vestal é doença verde
Que só os tolos usam, tira-o já.
Calma!, que luz é aquela na janela?
É o leste e traz Julieta como um sol.
Sobe, formoso sol, e mata a lua,
Que sofre da anemia do ciúme,
Pois tu, sua devota, és mais formosa:
Não ‘stejas ao serviço da ciumenta:
Seu hábito vestal é doença verde
Que só os tolos usam, tira-o já.
Minha senhora, Oh!, meu grande amor!
Oh!, se ela já o soubesse!
Parece que ela fala sem falar…
Respondo a esses olhos que conversam?
Que audaz! Não é a mim que el’s se dirigem:
Ausentes em trabalho, duas estrelas
Pediram aos seus olhos p’ra brilharem
Nas órbitas enquanto elas não voltam.
E se entre si trocassem de lugar?
Sua face humilharia essas estrelas
(Um sol p’ra duas candeias), e os seus olhos
Escoariam no céu tão grande brilho
Que as aves cantariam em delírio.
Como ela apoia o rosto sobre a mão!
Fosse eu nessa mão luva p’ra poder
Tocar seu rosto!
Oh!, se ela já o soubesse!
Parece que ela fala sem falar…
Respondo a esses olhos que conversam?
Que audaz! Não é a mim que el’s se dirigem:
Ausentes em trabalho, duas estrelas
Pediram aos seus olhos p’ra brilharem
Nas órbitas enquanto elas não voltam.
E se entre si trocassem de lugar?
Sua face humilharia essas estrelas
(Um sol p’ra duas candeias), e os seus olhos
Escoariam no céu tão grande brilho
Que as aves cantariam em delírio.
Como ela apoia o rosto sobre a mão!
Fosse eu nessa mão luva p’ra poder
Tocar seu rosto!
JULIETA:
Ai de mim!
Ai de mim!
ROMEU:
Falou:
Oh!, fala uma outra vez, anjo brilhante,
Pois nesta noite tu és gloriosa
Como é no céu o alado mensageiro
P’ra os olhos revirados em espanto
Dos mortais que se inclinam para o ver
Quando ele monta nuvens indolentes,
E voga em pleno âmago do ar.
Falou:
Oh!, fala uma outra vez, anjo brilhante,
Pois nesta noite tu és gloriosa
Como é no céu o alado mensageiro
P’ra os olhos revirados em espanto
Dos mortais que se inclinam para o ver
Quando ele monta nuvens indolentes,
E voga em pleno âmago do ar.
JULIETA:
Por que razão, Romeu, és tu “Romeu”?
Nega o teu pai e o nome que vem dele,
Ou então jura que és o meu amor,
E eu não mais saberei ser Capuleto.
Por que razão, Romeu, és tu “Romeu”?
Nega o teu pai e o nome que vem dele,
Ou então jura que és o meu amor,
E eu não mais saberei ser Capuleto.
ROMEU:
Ouço ainda ou respondo já a isto?
Ouço ainda ou respondo já a isto?
JULIETA:
Por inimigo tenho só teu nome,
Montéquio ou não, tu és sempre tu mesmo.
O que é “Montéquio”? Não é mão nem pé,
Nem braço, rosto, nada que componha
Um corpo humano. Sê um outro nome.
Vale isso o quê? Teria a rosa odor
Tão doce se outro nome fosse o seu.
A cara perfeição que Romeu tem
Também se manteria se ele assim
Não se chamasse. Despe esse teu nome,
E em troca desse título acessório
Toma-me a mim.
Por inimigo tenho só teu nome,
Montéquio ou não, tu és sempre tu mesmo.
O que é “Montéquio”? Não é mão nem pé,
Nem braço, rosto, nada que componha
Um corpo humano. Sê um outro nome.
Vale isso o quê? Teria a rosa odor
Tão doce se outro nome fosse o seu.
A cara perfeição que Romeu tem
Também se manteria se ele assim
Não se chamasse. Despe esse teu nome,
E em troca desse título acessório
Toma-me a mim.
ROMEU:
Eu tomo a tua palavra:
Não mais serei “Romeu” daqui em diante,
Batiza-me de novo como “amor”.
Eu tomo a tua palavra:
Não mais serei “Romeu” daqui em diante,
Batiza-me de novo como “amor”.
JULIETA:
Que homem és tu que oculto em plena noite
Invades meus cuidados?
Que homem és tu que oculto em plena noite
Invades meus cuidados?
ROMEU:
Por um nome
Não sei como dizer-te quem eu sou:
Odeio, amada santa, este meu nome,
Pois ele é para ti um inimigo.
Fosse el’ palavra escrita e rasgá-lo-ia.
Por um nome
Não sei como dizer-te quem eu sou:
Odeio, amada santa, este meu nome,
Pois ele é para ti um inimigo.
Fosse el’ palavra escrita e rasgá-lo-ia.
JULIETA:
Ainda não ouvi uma centena
Destas falas e já conheço o som:
Não és tu tão Romeu quanto Montéquio?
Ainda não ouvi uma centena
Destas falas e já conheço o som:
Não és tu tão Romeu quanto Montéquio?
ROMEU:
Nenhum, donzela, se ambos te desgostam.
Nenhum, donzela, se ambos te desgostam.
JULIETA:
Diz-me: como e porquê chegaste aqui?
Os muros do pomar são escarpados,
E, sendo tu quem és, o sítio é morte
Se algum dos meus parentes te encontrar.
Diz-me: como e porquê chegaste aqui?
Os muros do pomar são escarpados,
E, sendo tu quem és, o sítio é morte
Se algum dos meus parentes te encontrar.
ROMEU:
Com asas muito leves sobrevoei
Tais barreiras de pedra derrotadas
Por quanto o amor é fiel ao seu possível:
Teus parentes não são maior entrave.
Com asas muito leves sobrevoei
Tais barreiras de pedra derrotadas
Por quanto o amor é fiel ao seu possível:
Teus parentes não são maior entrave.
JULIETA:
É certa a tua morte, se el’s te virem.
É certa a tua morte, se el’s te virem.
ROMEU:
Ai!, nos teus olhos há bem mais perigo
Que em vinte espadas: olha com doçura,
E serás meu escudo contra o ódio.
Ai!, nos teus olhos há bem mais perigo
Que em vinte espadas: olha com doçura,
E serás meu escudo contra o ódio.
JULIETA:
Só ‘spero que ninguém te veja aqui!
Só ‘spero que ninguém te veja aqui!
ROMEU:
Pelo manto da noite estou oculto,
E até me conviria essa tal morte,
Se, não me amando tu, me parecesse
Demasiado comprida a minha vida.
Pelo manto da noite estou oculto,
E até me conviria essa tal morte,
Se, não me amando tu, me parecesse
Demasiado comprida a minha vida.
JULIETA:
Quem te disse o caminho para cá?
Quem te disse o caminho para cá?
ROMEU:
O amor deu-me vontade e orientação,
E eu retribuí confiando-lhe os meus olhos.
Se estivesses tão longe quanto as praias
Mais longínquas, não sendo eu marinheiro,
Partiria por tal mercadoria.
O amor deu-me vontade e orientação,
E eu retribuí confiando-lhe os meus olhos.
Se estivesses tão longe quanto as praias
Mais longínquas, não sendo eu marinheiro,
Partiria por tal mercadoria.
JULIETA:
Se eu não tivesse a máscara da noite,
Tudo aquilo que ouviste pintaria
Um rubor de donzela em minha face.
Deveria negá-lo por decoro:
Só que às boas maneiras digo “adeus”!
Tu amas-me? Já sei que dirás “Sim”,
E em ti eu confiarei. Mas quem mais jura,
Mais mente: dos perjúrios dos amantes
Riem-se os deuses. Oh!, meu bom Romeu,
Se me amas, sê sincero quando o assumes:
Ou se achas que pareço mulher fácil,
Eu mostro-me perversa e digo “não”,
Na condição de assim me cortejares.
‘stou perdida de amor, belo Montéquio,
Pareço libertina à conta disso:
Mas, confia, serei bem mais fiel
Que aquelas que se mostram virtuosas.
Deveria ter tido mais recato,
Mas, se ouviste a verdade deste amor,
Foi sem querer. Desculpa, não confundas
Com ligeireza a minha rendição
Que a noite ‘inda que escura revelou.
Se eu não tivesse a máscara da noite,
Tudo aquilo que ouviste pintaria
Um rubor de donzela em minha face.
Deveria negá-lo por decoro:
Só que às boas maneiras digo “adeus”!
Tu amas-me? Já sei que dirás “Sim”,
E em ti eu confiarei. Mas quem mais jura,
Mais mente: dos perjúrios dos amantes
Riem-se os deuses. Oh!, meu bom Romeu,
Se me amas, sê sincero quando o assumes:
Ou se achas que pareço mulher fácil,
Eu mostro-me perversa e digo “não”,
Na condição de assim me cortejares.
‘stou perdida de amor, belo Montéquio,
Pareço libertina à conta disso:
Mas, confia, serei bem mais fiel
Que aquelas que se mostram virtuosas.
Deveria ter tido mais recato,
Mas, se ouviste a verdade deste amor,
Foi sem querer. Desculpa, não confundas
Com ligeireza a minha rendição
Que a noite ‘inda que escura revelou.
ROMEU:
Senhora, pela santa lua eu juro,
Pela prata com que ela cobre as árvores –
Senhora, pela santa lua eu juro,
Pela prata com que ela cobre as árvores –
JULIETA:
Não jures pela lua, essa inconstante
Que em sua esfera muda mês a mês,
Não vá ser teu amor assim volúvel.
Não jures pela lua, essa inconstante
Que em sua esfera muda mês a mês,
Não vá ser teu amor assim volúvel.
ROMEU:
Por quem devo jurar?
Por quem devo jurar?
JULIETA:
Oh!, por ninguém:
Ou então, por tua graça apenas jura,
És o Senhor da minha adoração,
Da fé toda a razão.
Oh!, por ninguém:
Ou então, por tua graça apenas jura,
És o Senhor da minha adoração,
Da fé toda a razão.
ROMEU:
Se o meu amor –
Se o meu amor –
JULIETA:
Não jures. A alegria que me dás,
Não a sinto no pacto desta noite:
É súbito demais, irrefletido,
Relâmpago já findo no momento
Em que é posto em palavras. Sim, boa noite!
Quando me reencontrares, o ar do estio
Terá feito o botão do amor florir.
Boa noite, seja suave o teu descanso
Como aquel’ que em meu peito mora manso.
Não jures. A alegria que me dás,
Não a sinto no pacto desta noite:
É súbito demais, irrefletido,
Relâmpago já findo no momento
Em que é posto em palavras. Sim, boa noite!
Quando me reencontrares, o ar do estio
Terá feito o botão do amor florir.
Boa noite, seja suave o teu descanso
Como aquel’ que em meu peito mora manso.
ROMEU:
Oh! deixar-me-ás assim insatisfeito?
Oh! deixar-me-ás assim insatisfeito?
JULIETA:
Mas qual satisfação querias hoje?
Mas qual satisfação querias hoje?
ROMEU:
Só a troca das juras fieis de amor.
Só a troca das juras fieis de amor.
JULIETA:
A minha, sem ma ter’s pedido eu dei-ta:
Ah!, se ela em minha posse ‘inda estivesse…
A minha, sem ma ter’s pedido eu dei-ta:
Ah!, se ela em minha posse ‘inda estivesse…
ROMEU:
Com que intenção, amor? P’ra a retirares?
Com que intenção, amor? P’ra a retirares?
JULIETA:
Para ta dar de novo, com candura.
E, contudo, desejo o que já tenho.
Pois sou tão generosa quanto o mar,
E tão profunda: quanto mais te dou,
Mais tenho, é dupla a nossa infinidade.
Ouço ruído lá dentro. Amor, adeus! –
[Fora de cena, a ama chama por Julieta]
Já vou, ama! – Montéquio, sê leal.
Fica apenas um pouco, que eu já volto.
Para ta dar de novo, com candura.
E, contudo, desejo o que já tenho.
Pois sou tão generosa quanto o mar,
E tão profunda: quanto mais te dou,
Mais tenho, é dupla a nossa infinidade.
Ouço ruído lá dentro. Amor, adeus! –
[Fora de cena, a ama chama por Julieta]
Já vou, ama! – Montéquio, sê leal.
Fica apenas um pouco, que eu já volto.
ROMEU:
Oh! noite tão bendita que me faz
Recear que por ser noite eu viva um sonho,
Um deleite que iluda a realidade.
Oh! noite tão bendita que me faz
Recear que por ser noite eu viva um sonho,
Um deleite que iluda a realidade.
[Surge Julieta em cima]
JULIETA:
Duas palavras, amor, e então boa noite.
Se pretendes honrar-me em casamento,
Informa o mensageiro que amanhã
Eu te enviarei, da hora e do lugar
Em que o ritual será cumprido, e então,
A teus pés estará minha fortuna,
E seguir-te-ei, senhor, por toda a parte.
Duas palavras, amor, e então boa noite.
Se pretendes honrar-me em casamento,
Informa o mensageiro que amanhã
Eu te enviarei, da hora e do lugar
Em que o ritual será cumprido, e então,
A teus pés estará minha fortuna,
E seguir-te-ei, senhor, por toda a parte.
[Fora de cena, a ama chama: “Minha senhora!”]
Já vou. – Mas se não tens intenções puras,
Imploro-te –
Imploro-te –
[Fora de cena, a ama chama: “Minha senhora!”]
Eu vou já sem demora. –
Que a luta cesses, deixa-me em pesar.
Amanhã se fará.
Que a luta cesses, deixa-me em pesar.
Amanhã se fará.
ROMEU:
Disso dependo –
Disso dependo –
JULIETA:
Mil vezes boa noite!
Mil vezes boa noite!
ROMEU:
Mil vezes entristeço sem tua luz.
O amor do amor se afasta com o amuo
Da criança que retorna para o estudo.
Mil vezes entristeço sem tua luz.
O amor do amor se afasta com o amuo
Da criança que retorna para o estudo.
[Surge Julieta de novo em cima]
JULIETA:
Ouve! Tivesse eu voz de falcoeiro,
P’ra fazer regressar a minha ave!
A servidão é rouca, fala baixo,
Senão eu forçaria a gruta de Eco,
P’ra lhe impor rouquidão maior que a minha
Com a repetição do meu “Romeu”.
Ouve! Tivesse eu voz de falcoeiro,
P’ra fazer regressar a minha ave!
A servidão é rouca, fala baixo,
Senão eu forçaria a gruta de Eco,
P’ra lhe impor rouquidão maior que a minha
Com a repetição do meu “Romeu”.
ROMEU:
É a minha própria alma que me chama.
Que bem soam à noite os namorados,
P’ra quem os ouve fazem suave música!
É a minha própria alma que me chama.
Que bem soam à noite os namorados,
P’ra quem os ouve fazem suave música!
JULIETA:
Romeu!
Romeu!
ROMEU:
Avezinha?
Avezinha?
JULIETA:
A que horas, amanhã, te envio alguém?
A que horas, amanhã, te envio alguém?
ROMEU:
Quando soarem as nove.
Quando soarem as nove.
JULIETA:
Cumprirei: são vinte anos até lá.
Mas que outra coisa eu vinha te dizer?
Cumprirei: são vinte anos até lá.
Mas que outra coisa eu vinha te dizer?
ROMEU:
Até te recordares fico aqui.
Até te recordares fico aqui.
JULIETA:
Só me recordarei de como gosto
Da tua companhia, fica então.
Só me recordarei de como gosto
Da tua companhia, fica então.
ROMEU:
Não hás de ter nenhuma outra lembrança,
Nem eu hei de ter poiso senão este.
Não hás de ter nenhuma outra lembrança,
Nem eu hei de ter poiso senão este.
JULIETA:
Sendo quase manhã, quero que partas:
Não mais, porém, que a ave do garoto
Que a deixa voar um pouco da sua mão,
Prisioneira em grilheta retorcida,
E com fio de seda a traz de volta
Da liberdade até ao seu ciúme.
Sendo quase manhã, quero que partas:
Não mais, porém, que a ave do garoto
Que a deixa voar um pouco da sua mão,
Prisioneira em grilheta retorcida,
E com fio de seda a traz de volta
Da liberdade até ao seu ciúme.
ROMEU:
Fosse eu essa tua ave.
Fosse eu essa tua ave.
JULIETA:
Digo o mesmo:
Mas ser-te-ia letal tanto cuidado.
Boa noite! É dor tão doce o ir’s embora,
Que eu direi boa noite até à aurora.
Digo o mesmo:
Mas ser-te-ia letal tanto cuidado.
Boa noite! É dor tão doce o ir’s embora,
Que eu direi boa noite até à aurora.
ROMEU:
More sono em teus olhos, paz no peito!
Fosse eu tal sono e paz nesse teu leito!
More sono em teus olhos, paz no peito!
Fosse eu tal sono e paz nesse teu leito!
Verona, Itália - a varanda de Julieta
* Tradução da
Cena da Varanda por Pedro
Ludgero, disponível em http://www.pedroludgero.com/orfeudecorpointeiro/traducao-da-cena-da-varanda-de-romeu-e-julieta/
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