Com base nas vossas respostas ao QUESTIONÁRIO de opinião, eis aqui a estatística e versos do Cesário como possível base para reflexão sobre uma nova ideia de POESIA.
"Subitamente - que visão de artista! -
/Se eu transformasse os simples vegetais,
/À luz do Sol, o intenso colorista,
/Num ser humano que se mova e exista
/Cheio de belas proporções carnais?![...]/As azeitonas, que nos dão o azeite, [...] São tranças dum cabelo que se ajeite;
/E os nabos - ossos nus, da cor do leite [...] E entre
As hortaliças [...] Surge um melão, que lembrou um ventre.
"
"Num Bairro Moderno" (pp.325-326)
"Vazam-se os arsenais e as oficinas;/Reluz, viscoso, o rio [..]Correndo com firmeza, assomam as varinas.
[...]
/Descalças! Nas descargas de carvão,/Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
/E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
/E o peixe podre gera os focos de infecção!"
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)
"O Sol dourava o céu. E a regateira,
/Como vendera a sua fresca alface
/E dera o ramo de hortelã que cheira,
/Voltando-se, gritou-me, prazenteira:
/"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..."
"Num Bairro Moderno" (pp.325-326)
"E de uma padaria exala-se, ainda quente, /Um cheiro salutar e honesto a pão no forno."
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)
"Bóiam aromas, fumos de cozinha;
/Com o cabaz às costas, e vergando,
/Sobem padeiros, claros de farinha;
/E às portas, uma ou outra campainha
/Toca, frenética, de vez em quando."
"Num Bairro Moderno" (pp.325-326)
"A espaços, iluminam-se os andares,/E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos/Alastram em lençol os seus reflexos brancos"
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)
"E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!/No atalho enxuto, e branco das espigas/Caídas das carradas no salmejo,/Esguio e a negrejar em um cortejo,/Destaca-se um carreiro de formigas.
"[...] dava uma aguarela./Foi quando tu, descendo do burrico,/Foste colher, sem imposturas tolas,/A um granzoal azul de grão-de-bico/Um ramalhete rubro de papoulas." - "De tarde" (p.322)
"depois duns dias de aguaceiros,/Vibra uma imensa claridade crua.[...] E as poças de água, como um chão vidrento,/Refletem a molhada casaria." - "Cristalizações"(p.346)
Nas nossas ruas, ao anoitecer,[...] O céu parece baixo e de neblina,/O gás extravasado enjoa-me, perturba;/
E os edifícios, com as chaminés, e a turba/Toldam-se duma cor monótona e londrina."
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)
"Eu, que sou feio, sólido, leal,/A ti, que és bela, frágil, assustada,/Quero estimar-te, sempre, recatada/Numa existência honesta, de cristal."
"Milady, é perigoso contemplá-la,
/Quando passa aromática e normal,
/Com seu tipo tão nobre e tão de sala,
/Com seus gestos de neve e de metal."
" Sentei-me à secretária. Ali defronte mora/Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;/Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes/E engoma para fora./Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!"
Sem comentários:
Enviar um comentário