segunda-feira, 11 de maio de 2020

Cesário Verde responde a alunos da Henriques Nogueira

Com base nas vossas respostas ao QUESTIONÁRIO de opinião, eis aqui a estatística e versos do Cesário como possível base para reflexão sobre uma nova ideia de POESIA.
 
"Subitamente - que visão de artista! - /Se eu transformasse os simples vegetais, /À luz do Sol, o intenso colorista, /Num ser humano que se mova e exista /Cheio de belas proporções carnais?![...]/As azeitonas, que nos dão o azeite, [...] São tranças dum cabelo que se ajeite; /E os nabos - ossos nus, da cor do leite [...] E entre As hortaliças [...] Surge um melão, que lembrou um ventre. "   

"Num Bairro Moderno" (pp.325-326)

Gráfico de respostas do Formulários. Título da pergunta: Escolha a palavra menos poética. Número de respostas: 55 respostas.  "Vazam-se os arsenais e as oficinas;/Reluz, viscoso, o rio [..]Correndo com firmeza, assomam as varinas. [...] /Descalças! Nas descargas de carvão,/Desde manhã à noite, a bordo das fragatas; /E apinham-se num bairro aonde miam gatas, /E o peixe podre gera os focos de infecção!"
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)

 
"O Sol dourava o céu. E a regateira, /Como vendera a sua fresca alface /E dera o ramo de hortelã que cheira, /Voltando-se, gritou-me, prazenteira: /"Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..." 
 "Num Bairro Moderno" (pp.325-326)
"E de uma padaria exala-se, ainda quente, /Um cheiro salutar e honesto a pão no forno."
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)
  "Bóiam aromas, fumos de cozinha; /Com o cabaz às costas, e vergando, /Sobem padeiros, claros de farinha; /E às portas, uma ou outra campainha /Toca, frenética, de vez em quando."
 "Num Bairro Moderno" (pp.325-326)
"A espaços, iluminam-se os andares,/E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos/Alastram em lençol os seus reflexos brancos"
"O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)

 
"E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!/No atalho enxuto, e branco das espigas/Caídas das carradas no salmejo,/Esguio e a negrejar em um cortejo,/Destaca-se um carreiro de formigas.
  "[...] dava uma aguarela./Foi quando tu, descendo do burrico,/Foste colher, sem imposturas tolas,/A um granzoal azul de grão-de-bico/Um ramalhete rubro de papoulas." - "De tarde"  (p.322)
"depois duns dias de aguaceiros,/Vibra uma imensa claridade crua.[...] E as poças de água, como um chão vidrento,/Refletem a molhada casaria." - "Cristalizações"(p.346)
Nas nossas ruas, ao anoitecer,[...] O céu parece baixo e de neblina,/O gás extravasado enjoa-me, perturba;/ 
E os edifícios, com as chaminés, e a turba/Toldam-se duma cor monótona e londrina."
 "O Sentimento dum Ocidental" (pp. 334.339)
 
"Eu, que sou feio, sólido, leal,/A ti, que és bela, frágil, assustada,/Quero estimar-te, sempre, recatada/Numa existência honesta, de cristal."
"Milady, é perigoso contemplá-la, /Quando passa aromática e normal, /Com seu tipo tão nobre e tão de sala, /Com seus gestos de neve e de metal." 
  " Sentei-me à secretária. Ali defronte mora/Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;/Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes/E engoma para fora./Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!"

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