Bom dia a todos! Espero que estejam saudáveis e com bom espírito.
Antes de, ao final do dia, vos deixar um primeiro balanço e relembrar a organização das tarefas para as férias, começo a publicação de materiais de reforço/consolidação relativos à ILUSTRE CASA DE RAMIRES e sua relação com os outros textos de Eça, de que têm tido uma amostra.
«N’A Ilustre Casa de Ramires, a decadência da família é paralela à
de Portugal e revela-se depois da Restauração de 1640. Até então, os
Ramires participam em todos os lances heróicos da História portuguesa;
com a dinastia de Bragança, a família perde o vigor de outrora («Já,
porém, como a nação, degenera a nobre raça…»; cap. I) e, na geração de
Gonçalo Mendes Ramires, limita-se quase a vegetar à sombra das memórias
do passado. O esforço desse último Ramires, ao partir para África como
explorador colonial, assume, então, o significado de uma tentativa de
superação da decadência, aparentemente sugerida pela necessidade de
aprender a lição humilhante do Ultimato inglês de 1890.»
«O fidalgo Gonçalo Mendes Ramires
sentido-se incapaz de se manter à altura da grandeza da sua linhagem
decide escrever um romance sobre a história dos seus antepassados com o
intuito de ganhar aí alento para elevar o seu próprio nome, ao mesmo
tempo que tenta ganhar projeção no mundo político.
A
multidão ama, nas Novelas, os grandes furores, o sangue pingando; e em
breve os Anais espalhariam, por todo o Portugal, a fama daquela Casa
ilustre, que armara mesnadas, arrasara castelos, saqueara comarcas por
orgulho de pendão, e afrontara arrogantemente os Reis na cúria e nos
campos de lide.
Publicado
em 1900, no mesmo ano da morte de Eça de Queirós, o romance “A ilustre
Casa de Ramires” representa o apogeu do estilo Queirosiano e, segundo os
críticos, é aquele romance que melhor representa a sua maturidade
inteletual.
É também uma das suas
obras mais políticas, questionando a relação do Portugal do século XIX
com o seu passado histórico e as suas responsabilidades de então. Tais
conjeturas explicam-se pelo facto da obra ter sido escrita e publicada
no meio de uma enorme instabilidade política e social. Vivia-se então no
rescaldo do Ultimato Inglês e da agitação dos partidos republicanos que
aproveitaram a baixa popularidade da Coroa para impulsionar os
movimentos anti-monárquicos. [...]
Eça de
Queirós sendo cônsul português em Paris e, portanto, parte integrante do
poder monárquico vigente, não via com bons olhos este tipo de elevações
sociais mas também não estava desatento ao descontentamento e
inquietação social que se vivia no inicio do século XX. A mensagem da
obra é pois notória: Eça proclama que deve ser a aristocracia a
proporcionar os meios para a contenção e social o equilíbrio social
apoiada nos valores do passado e no reforço do colonialismo. Esta
posição ideológica nos seus romances marca também a distinção das outras
fases literárias de Eça onde a crítica corrosiva e a ironia cáustica
imperavam.
Esta é uma obra de um Eça mais maduro [...]. O
protagonista Gonçalo Ramires, por exemplo, é descrito de modo a
transparecer a imagem do português cheio de boas intenções mas
desleixado e trapalhão nos negócios, sempre à esperança de um milagre e
com uma desconfiança terrível de si mesmo que o acobarda e o encolhe.
Tal como nos anteriores romances que lhe trouxeram fama, a intenção de
Eça é mostrar a atitude a mudar para que Portugal se pudesse impulsionar
de modo a sair da instabilidade social, politica e económica.
A
Ilustre Casa de Ramires é ainda um romance sobre a própria arte de
escrever; parodiando, analisando, mas também mostrando complacência
sobre o processo de construção de uma obra. Gonçalo Ramires, na busca de
si próprio e das suas raízes decide escrever um livro sobre o passado
glorioso da sua família; começa então a escrever uma novela história que
se passaria no Século XIII e teria como personagem Tructesindo
Ramires, um ancestral seu, fiel cavalheiro do rei D. Sancho I.
Apesar
dos seus talentos literários deixarem a desejar, de grande parte da sua
motivação ser afinal a conveniência social e da obra ser, no fim de
contas, uma versão em prosa de um poema escrito anos atrás por um tio,
Eça usa esta particularidade da história para exemplificar como a
escrita é um trabalho árduo, duro e de muito esforço, mostrando para
isso um Gonçalo Ramires extenuado após sucessivas horas de escrita num
gabinete fechado, atormentado pela falta de inspiração e pressionado
pelo editor a concluir a obra. No fundo, uma amostra do trabalho
inerente a qualquer autor.»
SABER + SOBRE
GONÇALO MENDES RAMIRES
A Cidade e as Serras - alguns tópicos
«“Suma Ciência X Suma Potência =
Suma Felicidade”, esta é a fórmula criada por Jacinto na juventude e que
servirá de eixo narrativo. Zé Fernandes desenvolve seu relato no sentido de
mostrar que a fórmula é um equívoco.
O romance A Cidade e as Serras é especular, isto é, funciona como um espelho: de um lado, a vida na cidade, de outro, a vida na serra. A cidade em questão é Paris, que funciona como metonímia da civilização. A residência de Jacinto, o “202”, reúne tecnologia e erudição, que são os dois pilares da “Suma Ciência”. O trabalho do narrador é demonstrar que ambos são falhos: a tecnologia funciona precariamente e a erudição é tratada como modismo e como instrumento de inatividade, de recusa à ação.
A “Suma Potência” com que
sonhava Jacinto [...] reduzia-se à melancolia e à angústia existencial preconizada
por filósofos pessimistas. Convidado por Zé Fernandes a avaliar a situação do
patrão, o empregado Grilo acerta no alvo: “Sua Excelência sofre de fartura”. De
fato, entediado, Jacinto não encontra na ciência e na civilização a felicidade
que esperava.
Tormes, de sua parte, funciona
como metonímia de Portugal, com seu atraso e seu apego pelas tradições, como a
espera pelo salvador da pátria, um novo D. Sebastião que reconduzisse o país à
glória. Ali, Jacinto entra em contato com suas raízes familiares e delas retira
a seiva necessária ao seu rejuvenescimento. Admirando a beleza e a variedade da
natureza serrana, percebe o quanto tinha estado iludido pela mesmice e
repetição da vida parisiense.»
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