terça-feira, 24 de março de 2020

Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (revisões)

Bom dia a todos! Espero que estejam saudáveis e com bom espírito. 
Antes de, ao final do dia, vos deixar um primeiro balanço e relembrar a organização das tarefas para as férias, começo a publicação de materiais de reforço/consolidação relativos à ILUSTRE CASA DE RAMIRES e sua relação com os outros textos de Eça, de que têm tido uma amostra.
«N’A Ilustre Casa de Ramires, a decadência da família é paralela à de Portugal e revela-se depois da Restauração de 1640. Até então, os Ramires participam em todos os lances heróicos da História portuguesa; com a dinastia de Bragança, a família perde o vigor de outrora («Já, porém, como a nação, degenera a nobre raça…»; cap. I) e, na geração de Gonçalo Mendes Ramires, limita-se quase a vegetar à sombra das memórias do passado.  O esforço desse último Ramires, ao partir para África como explorador colonial, assume, então, o significado de uma tentativa de superação da decadência, aparentemente sugerida pela necessidade de aprender a lição humilhante do Ultimato inglês de 1890.»

«O fidalgo Gonçalo Mendes Ramires sentido-se incapaz de se manter à altura da grandeza da sua linhagem decide escrever um romance sobre a história dos seus antepassados com o intuito de ganhar aí alento para elevar o seu próprio nome, ao mesmo tempo que tenta ganhar projeção no mundo político.
A multidão ama, nas Novelas, os grandes furores, o sangue pingando; e em breve os Anais espalhariam, por todo o Portugal, a fama daquela Casa ilustre, que armara mesnadas, arrasara castelos, saqueara comarcas por orgulho de pendão, e afrontara arrogantemente os Reis na cúria e nos campos de lide. 
Publicado em 1900, no mesmo ano da morte de Eça de Queirós, o romance “A ilustre Casa de Ramires” representa o apogeu do estilo Queirosiano e, segundo os críticos, é aquele romance que melhor representa a sua maturidade inteletual.

É também uma das suas obras mais políticas, questionando a relação do Portugal do século XIX com o seu passado histórico e as suas responsabilidades de então. Tais conjeturas explicam-se pelo facto da obra ter sido escrita e publicada no meio de uma enorme instabilidade política e social. Vivia-se então no rescaldo do Ultimato Inglês e da agitação dos partidos republicanos que aproveitaram a baixa popularidade da Coroa para impulsionar os movimentos anti-monárquicos. [...]

Eça de Queirós sendo cônsul português em Paris e, portanto, parte integrante do poder monárquico vigente, não via com bons olhos este tipo de elevações sociais mas também não estava desatento ao descontentamento e inquietação social que se vivia no inicio do século XX. A mensagem da obra é pois notória: Eça proclama que deve ser a aristocracia a proporcionar os meios para a contenção e social o equilíbrio social apoiada nos valores do passado e no reforço do colonialismo. Esta posição ideológica nos seus romances marca também a distinção das outras fases literárias de Eça onde a crítica corrosiva e a ironia cáustica imperavam. 

Esta é uma obra de um Eça mais maduro [...]. O protagonista Gonçalo Ramires, por exemplo, é descrito de modo a transparecer a imagem do português cheio de boas intenções mas desleixado e trapalhão nos negócios, sempre à esperança de um milagre e com  uma desconfiança terrível de si mesmo que o acobarda e o encolhe. Tal como nos anteriores romances que lhe trouxeram fama, a intenção de Eça é mostrar a atitude a mudar para que Portugal se pudesse impulsionar de modo a sair da instabilidade social, politica e económica.

A Ilustre Casa de Ramires é ainda um romance sobre a própria arte de escrever; parodiando, analisando, mas também mostrando complacência sobre o processo de construção de uma obra. Gonçalo Ramires, na busca de si próprio e das suas raízes decide escrever um livro sobre o passado glorioso da sua família; começa então a escrever uma novela história que se passaria no Século XIII e teria como personagem Tructesindo Ramires, um ancestral seu, fiel cavalheiro do rei D. Sancho I. 

Apesar dos seus talentos literários deixarem a desejar, de grande parte da sua motivação ser afinal a conveniência social e da obra ser, no fim de contas, uma versão em prosa de um poema escrito anos atrás por um tio, Eça usa esta particularidade da história para exemplificar como a escrita é um trabalho árduo, duro e de muito esforço, mostrando para isso um Gonçalo Ramires extenuado após sucessivas horas de escrita num gabinete fechado, atormentado pela falta de inspiração e pressionado pelo editor a concluir a obra. No fundo, uma amostra do trabalho inerente a qualquer autor.»

 SABER + SOBRE

GONÇALO MENDES RAMIRES

A Cidade e as Serras  - alguns tópicos

«“Suma Ciência X Suma Potência = Suma Felicidade”, esta é a fórmula criada por Jacinto na juventude e que servirá de eixo narrativo. Zé Fernandes desenvolve seu relato no sentido de mostrar que a fórmula é um equívoco. 

O romance A Cidade e as Serras é especular, isto é, funciona como um espelho: de um lado, a vida na cidade, de outro, a vida na serra. A cidade em questão é Paris, que funciona como metonímia da civilização. A residência de Jacinto, o “202”, reúne tecnologia e erudição, que são os dois pilares da “Suma Ciência”. O trabalho do narrador é demonstrar que ambos são falhos: a tecnologia funciona precariamente e a erudição é tratada como modismo e como instrumento de inatividade, de recusa à ação.
A “Suma Potência” com que sonhava Jacinto [...] reduzia-se à melancolia e à angústia existencial preconizada por filósofos pessimistas. Convidado por Zé Fernandes a avaliar a situação do patrão, o empregado Grilo acerta no alvo: “Sua Excelência sofre de fartura”. De fato, entediado, Jacinto não encontra na ciência e na civilização a felicidade que esperava.
Tormes, de sua parte, funciona como metonímia de Portugal, com seu atraso e seu apego pelas tradições, como a espera pelo salvador da pátria, um novo D. Sebastião que reconduzisse o país à glória. Ali, Jacinto entra em contato com suas raízes familiares e delas retira a seiva necessária ao seu rejuvenescimento. Admirando a beleza e a variedade da natureza serrana, percebe o quanto tinha estado iludido pela mesmice e repetição da vida parisiense.»

Sem comentários: