sexta-feira, 10 de abril de 2020

Eça e as élites: Carlos da Maia e Gonçalo Mendes Ramires (texto de reflexão)

Nota: este trabalho de reflexão é realizado por um aluno que estudou A ILUSTRE CASA DE RAMIRES como obra selecionada, mas já lera e apresentara publicamente OS MAIAS, em Projeto de Leitura Individual.

Eça de Queirós, Carlos e Gonçalo

Uma análise das personagens e dos seus comportamentos

         Gonçalo Mendes Ramires (A Ilustre Casa de Ramires) e Carlos da Maia (Os Maias) são protagonistas de obras de Eça de Queirós, acompanhados, em ambos os casos, durante a maior parte do texto por um amigo/companheiro próximo. No caso de Gonçalo era António Vilalobos (Titó), parente afastado de Gonçalo que ao longo da obra o acompanha e dá conselhos no que toca ás suas decisões, destaca-se a sua crítica ao possível casamento de Gonçalo com Ana Lucena e à sua eleição como deputado. 

        Para Carlos quem desempenha este papel é Ega, amigo próximo de Carlos desde os tempos em que estudava em Coimbra, envolvendo-se com Carlos nas suas aventuras e desventuras, é leal mas também crítico ado mundo em que vive, concebe um grande projeto literário "Memórias de Um Átomo"; porém, como Carlos e outras personagens destas duas obras, acaba por não terminar o seu projeto; tornam-se assim alvos das próprias críticas que laçam ao longo da obra, e é também um homem sem Deus: "ele espantava pela audácia e pelos ditos, como o maior ateu, o maior demagogo, que jamais aparecera nas sociedades humanas. Isto lisonjeava-o: por sistema exagerou o seu ódio à Divindade e a toda a Ordem Social: queria o massacre das classes médias, o amor livre das ficções do matrimónio, a repartição das terras, o culto de Satanás.".

         No entanto, Gonçalo e Carlos apesar de serem semelhantes em muitos aspetos, são igualmente diferentes em outros tantos. Carlos sempre vivera na abundância desde pequeno, não tem problemas com o dinheiro, pelo contrário, quando se instala em Lisboa, no Ramalhete, e onde a maior parte da obra toma lugar, o leitor depara-se com aspetos da vida íntima do protagonista, de seus amigos e parentes, uma vida luxuosa, cheia do que Eça chama de "bric-à-brac", festas, mulheres, esquemas e dilemas.
       E, finalmente, após tantas páginas da vida de Carlos, nada muda, "- E aqui tens tu uma existência de homem! Em dez anos não me tem sucedido nada, a não ser quando se me quebrou o faeton na estrada de Saint-Cloud... Vim no Figaro. Ega ergueu-se, atirou um gesto desolado: - Falhámos a vida, menino!". 

          Já Gonçalo, "(...) era certamente o mais genuíno e antigo fidalgo de Portugal.", porém, não ganhou o jackpot em tudo o que a vida têm para oferecer, os seus bolsos estavam vazios, cheio de dívidas acumuladas pelos seus parentes mais próximos (pai e avô) que acompanharam a decâdencia de Portugal tanto na honra como na fortuna, "Já como a nação, degenera a nobre raça...Álvaro Ramires valido de D.Pedro II, brigão façanhudo,(...) furta a mulher de um vedor da Fazenda que mandara matar à paulada por pretos(...). O avô de Gonçalo(...) arrasta uma existência reumática em Santa Ireneia(...). O pai de Gonçalo, ora regenerador, ora histórico, vivia em Lisboa no Hotel Universal, gastando as solas pelas escadarias do Banco Hipotecário,(...) até que um ministro do Reino,(...) o nomeou (para o afastar da capital) governor civil de Oliveira." assim Gonçalo decide envolver-se na política como forma de restaurar a sua fortuna e espalhar de novo o nome da sua familia, para isto decide escrever uma obra literária, com um pouco de ajuda das obras de Walter Scott e seu tio, sobre os seus corajosos antepassados, que, através dos "Anais de Literatura e de História, revista nova, fundada por José Lúcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra(...)." (tal como Ega e Carlos) a espalharia pelo país inteiro. 


         No entanto, ironicamente, a vida que Gonçalo almeja alcançar, a vida que Carlos tinha em Lisboa, e à qual tenta chegar através da política e da sua eleição como deputado, Eça de Queirós dedica exatamente um parágrafo (último do Capítulo XI, penúltimo capítulo do livro) a essa vida, mostrando o quão pouco peso tem na vida de Gonçalo, um parágrafo. Gonçalo sempre faz alguma coisa e concretiza, não sem altos e baixos, o seu objetivo, enquanto que Carlos do início ao fim da obra, nos seus completos XVIII capítulos nada concretiza, nada muda, até mesmo o consultório, que abre em pleno Rossio, com o intuito de ser gratuito para ajudar toda a gente, visto que não precisava de dinheiro, apoiado por seu avô Afonso, que achava que mesmo sendo rico, Carlos devia trabalhar, mas até este consultório Carlos transforma numa forma de seduzir as senhoras, não contribuindo em nada para o desenvolvimento do seu país.          
                     
          Mesmo até no último capítulo (XVIII), acompanhado com Ega voltam a criticar este Portugal "imundo", tal como já haviam feito, "- Enfim, exclamou o Ega, se não aparecerem mulheres, importam-se, que é em Portugal para tudo o recurso natural. Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima com os direitos da alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas... Nós julgamo-nos civilizados como os negros de S. Tomé se supõem cavalheiros, se supõem mesmo brancos, por usarem com a tanga uma casaca velha do patrão... Isto é uma choldra torpe. Onde pus eu a charuteira? " - Capítulo IV, tornam também agora a criticar o estado do país, para eles nada muda, não veem que também eles não mudaram, à parte da careca de João da Ega, "(...)este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio próprio, manda vir modelos do estrangeiro - modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de arte, de cozinha... Somente, como lhe falta o sentimento da proporção, e ao mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno e muito civilizado - exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura. O figurino da bota que veio de fora era levemente estreito na ponta; - imediatamente o janota estica-o e aguça-o até ao bico do alfinete.
Por seu lado o escritor lê uma página de Goncourt ou de Verlaine em estilo precioso e cinzelado; - imediatamente retorce, emaranha, desengonça a sua pobre frase até descambar no delirante e no burlesco. Por sua vez o legislador ouve dizer que lá fora se levanta o nível da instrução; - imediatamente põe no programa dos exames de primeiras letras a metafísica, a astronomia, a filologia, a egiptologia, a cresmatica, a crítica das religiões comparadas, e outros infinitos terrores. E tudo por aí adiante assim, em todas as classes e profissões, desde o orador até ao fotógrafo, desde o jurisconsulto até ao sportman... é o que sucede com os pretos já corrompidos de S. Tomé, que vêem os europeus de lunetas - e imaginam que nisso consiste ser civilizado e ser branco. Que fazem então? Na sua sofreguidão de progresso e de brancura acavalam no nariz três ou quatro lunetas, claras, defumadas, até de cor. E assim andam pela cidade, de tanga, de nariz no ar, aos tropeções, no desesperado e angustioso esforço de equilibrarem todos estes vidros - para serem imensamente civilizados e imensamente brancos...", catorze capítulos, catorze! E nada muda...

         Acabo a minha reflexão com uma frase de John F. Kennedy num discurso no dia 20 de Janeiro de 1961, "Ask not what your country can do for you. Ask what you can do for your country." ("Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela." - adaptado); é esta a mensagem de Eça de Queirós nas suas obras.

J. Matias, 11ºA 

Imagens: fotogramas do filme de João Botelho Os Maias (adaptação cinematográfica da obra homónima, de Eça de Queirós)

Sem comentários: