quinta-feira, 9 de abril de 2020

Os Maias - contributo para a compreensão de excertos do Capítulo XVIII


 Os Maias: Capítulo XVIII (excertos)


1. Registar ideias-chave, justificando com as frases que melhor caracterizam Carlos e o país
- Passou mais um ano, passaram outros, nasceram e morreram pessoas, nada mudou, o país continua igual: “E esse ano passou. Gente nasceu, gente morreu. Searas amadureceram, arvoredos murcharam. Outros anos passaram.”

-Carlos, passados quase dez anos, resolvera voltar “ao velho Portugal”.

-Carlos e Ega eram amigos, gostavam muito um do outro e tinham uma grande relação de cumplicidade: “os dois amigos enfim juntos almoçavam”.

-Paris não envelhece as pessoas, não as cansa, ao contrário de Lisboa que as degrada e as arrasa: “-Nem uma branca, nem uma ruga, nem uma sombra de fadiga!... Tudo isso é Paris, menino!... Lisboa arrasa. Olha para mim, olha para isto!”

-Carlos, para melhorar o país, pensara em entrar na diplomacia, pois tinha a “blague” e a “massa”. Mas, após refletir, esquecera essa ideia. Para quê entrar na diplomacia? Para ter “o sentimento constante da própria insignificância”?

-Carlos considerava a Política como a “ocupação dos inúteis”.

-Ega refere a política como algo “moralmente e fisicamente nojento”; os políticos eram nojentos e agiam como se fossem fantoches: “Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por traz lhes puxavam pelos cordéis... Ainda assim podiam ser bonecos bem recortados, bem envernizados. Mas qual! Aí é que estava o horror. Não tinham feitio, não tinham maneiras, não se lavavam, não limpavam as unhas... Coisa extraordinária, que em país algum sucedia, nem na Roménia, nem na Bulgária! Os três ou quatro salões que em Lisboa recebem todo o mundo, seja quem for, largamente, excluem a maioria dos políticos. E porque? Porque as senhoras têm nojo!”

-Ega acha Lisboa melhor, mais simples e mais calma: “esta nossa vidinha de Lisboa, simples, pacata, corredia, é infinitamente preferível.”

-Carlos apercebe-se de que em Lisboa nada mudara enquanto estivera fora, a capital continuava a mesma, bem como a gente. “reentrando na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brazões eclesiásticos, pendiam nas portas das duas igrejas. O Hotel Aliance conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lagedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havaneza, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.” E o problema não era da cidade mas sim de quem vivia nela. A gente de Lisboa era feia, suja e vadia: “- Isto é horrível quando se vem de fora! exclamou Carlos. Não é a cidade, é a gente. Uma gente feiíssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada!...”

-Continuava tudo igual, nojento, parado e melancólico: “E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das mesmas ombreiras, com colarinhos à moda.” Enquanto Carlos estivera fora, ninguém tentara mudar o país, ninguém o tentara salvar, ou pelo menos melhorar…

-Nas ruas circulava um ar calmo e limpo: “Mas um ar lavado e largo circulava; o sol dourava a caliça; a divina serenidade do azul sem igual tudo cobria e adoçava.”

-Carlos observa a geração nova que ainda não conhecera, ficando pasmado pois os “moços” não estavam a trabalhar na hora de trabalho e mulheres, não havia: “Pela sombra passeavam rapazes, aos pares, devagar, com flores na lapela, a calça apurada, luvas claras fortemente pespontadas de negro. Era toda uma geração nova e miúda que Carlos não conhecia. Por vezes Ega murmurava um olá!, acenava com a bengala. E eles iam, repassavam, com um arzinho tímido e contrafeito, como mal acostumados àquele vasto espaço, a tanta luz, ao seu próprio chic. Carlos pasmava. Que faziam, ali, às horas de trabalho, aqueles moços tristes, de calça esguia? Não havia mulheres. Apenas num banco adiante uma criatura adoentada, de lenço e chale, tomava o sol; e duas matronas, com vidrilhos no mantelete, donas de casa de hóspedes, arejavam um cãozinho felpudo."

-O que o espantava mais eram as botas dos cavalheiros, pois estas eram uma representação do Portugal contemporâneo. Estas demostram a tentativa dos portugueses de serem modernos, de serem como os estrangeiros, de serem melhores. No entanto, esta tentativa falhara… Os portugueses apenas demonstravam falta de originalidade, força e caráter. Deturparam tudo, enganaram-se, tropeçaram, num “desesperado e angustioso esforço” que não os levou a lado nenhum: “Porque essa simples forma de botas explicava todo o Portugal contemporâneo. Via-se por ali como a coisa era. Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI, que tão bem lhe ficava, este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio próprio, manda vir modelos do estrangeiro - modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de arte, de cozinha... Somente, como lhe falta o sentimento da proporção, e ao mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno e muito civilizado - exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura. O figurino da bota que veio de fora era levemente estreito na ponta; - imediatamente o janota estica-o e aguça-o até ao bico do alfinete. Por seu lado o escritor lê uma pagina de Goncourt ou de Verlaine em estilo precioso e cinzelado; - imediatamente retorce, emaranha, desengonça a sua pobre frase até descambar no delirante e no burlesco. Por sua vez o legislador ouve dizer que lá fora se levanta o nível da instrução; - imediatamente põe no programa dos exames de primeiras letras a metafísica, a astronomia, a filologia, a egiptologia, a cresmatica, a crítica das religiões comparadas, e outros infinitos terrores. E tudo por aí adiante assim, em todas as classes e profissões, desde o orador até ao fotógrafo, desde o jurisconsulto até ao sportman...”

-Ao tentarem ser “imensamente civilizados e imensamente brancos...”, só fizeram pior: “- De modo que isto está cada vez pior...”

-Já nada no país é português, já nada é genuíno, é tudo copiado, tornando assim o país não mais moderno mas sim miserável: “- Medonho! É dum reles, dum postiço! Sobretudo postiço! Já não há nada genuíno neste miserável país, nem mesmo o pão que comemos!”, levando até ao riso: “Carlos ria”. 

-Apenas os altos de cidade eram genuínos e responsáveis por arrastar a “velha Lisboa fidalga”.

-Está tudo tão mau, e é melhor não olharmos para nós mesmos, pois ainda estamos pior: “- Sim, com efeito, é talvez mais genuíno. Mas tão estúpido, tão sebento! Não sabe a gente para onde se há de voltar... E se nos voltamos para nós mesmos, ainda pior!

-Carlos e Ega continuam a criticar Portugal: “Ainda falavam de Portugal e dos seus males”.

-O administrador transmitia a ideia errada do país, porque para ele (político) tudo estava excelente o país já não se encontrava sequer “atrás de ninguém”.

-A memória mais triste que Carlos trazia de sua casa era “o escritório de Afonso da Maia”.

-No quarto, Carlos desabafa com o amigo Ega: “- E aqui tens tu a vida, meu Ega! Neste quarto, durante noites, sofri a certeza de que tudo no mundo acabara para mim... Pensei em me matar. Pensei em ir para a Trapa. E tudo isto friamente, com uma conclusão lógica. Por fim dez anos passaram, e aqui estou outra vez...”

-Carlos valoriza a sua família: “- Não há nada que me faça mais pena do que não ter um retrato do avô!... Em todo o caso este sempre o vou levar para Paris.”

-Carlos está igual, é o mesmo homem de há dez anos atrás, nada de novo na sua vida acontecera. Ele falhou. Carlos e Ega falharam a vida. Esta nunca é como nós imaginamos: “- Falhámos a vida, menino!

- Creio que sim... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação. Diz-se: «vou ser assim, porque a beleza está em ser assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.”

-A casa de Carlos possui toda a sua vida nela, no entanto ele só lá vivera dois anos: “- É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!”.

-Para Ega, ele e Carlos eram Românticos: “indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão...” mas Carlos queria saber se, os que se guiam apenas e só pela razão, eram mais felizes que eles ou não. Ao que Ega responde: “- Creio que não”.

-É revelada a importância da comida: “- Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este apetite! Esqueci-me de mandar fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas.”

2. Registar uma breve síntese interpretativa
-A conclusão final a que Carlos e Ega chegam foi: “Por fora, à vista, são desconsolar-se. E por dentro, para eles mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de se ser insensato ou sem sabor...

- Resumo: não vale a pena viver...”

-A teoria de vida de Carlos e Ega: a sua teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo, não ter contrariedades.”

-Qual o sentido da vida, porque é que vivemos se não “vale a pena viver”. Todo o esforço era inútil. Porque é que tínhamos objetivos? Porque é que tínhamos de os alcançar? Se tudo se irá desvanecer e transformar em “desilusão e poeira”: “inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.”

-Para quê apressarem-se? Não valia a pena, mais valia retardar o passo. É assim que se devia viver e percorrer o nosso caminho: sem esperanças e sem pressas: “ Não saia deste passinho lento, prudente, correcto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.

- Nem eu! acudiu Carlos com uma convicção decisiva.

E ambos retardaram o passo, descendo para a rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde eles, certos de só encontrar ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais avançar senão com lentidão e desdém.”

-Os dois amigos estão atrasados. No entanto, ainda podiam apanhar o «Americano», se se apressarem… - Comprovação da necessidade de apressar o passo, mas baseando-se na sua “teoria definitiva da existência”, Carlos e Ega não iriam alterar o seu modo de vida e de pensar; não correram para coisa alguma, “- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...”.

-Carlos e Ega, que sempre tiveram a ideia de melhorar o país, ainda nada tinham feito. Tal como com o «Americano» ainda era possível, se forem a correr “-Ainda o apanhamos!”. Apesar de tudo estar a descambar, a degradar-se e de tudo levar à “desilusão e poeira”, ainda havia a possibilidade de mudar. Talvez, se se esforçassem, ainda chegariam a tempo. Será que Carlos e Ega conseguiram apanhar o «Americano»? Será que todo o esforço seria recompensado? Se acreditassem que podiam mudar, podiam melhorar o país. Ainda havia esperança.


3. Comparar com Gonçalo
-Tal como Gonçalo, Carlos também dá importância à amizade, Gonçalo tem Titó, Carlos tem Ega: “os dois amigos enfim juntos almoçavam”, “E os dois amigos atravessaram o peristilo.” E “meu Ega”.

-Gonçalo tinha o sonho de entrar na política (ser deputado) e Carlos demonstra também esse o sonho de ir para a diplomacia, apesar de ter reconsiderado essa hipótese, nunca chegando a realizar este sonho.

-Para Gonçalo o país estava malu, parado e ninguém fazia nada para o melhorar, exatamente como acontece com Carlos. Este apercebe-se do quão malu Portugal se encontra e, durante todo o tempo em que esteve fora, ninguém fez nada para o melhorar, terá de ser ele a fazer algo para tirar o país da miséria e da melancolia.

-Carlos valoriza também muito a sua família, tal como Gonçalo, tem grande carinho pelos seus antepassados: “- Não há nada que me faça mais pena do que não ter um retrato do avô!... Em todo o caso este sempre o vou levar para Paris.”

-Concluindo, tal como Gonçalo, estava nas mãos de Carlos mudar o país, sem ele nada iria avançar. Assim, se acreditar e tiver esperança (porque ela ainda existe) e correr como correu para apanhar o «Americano», Carlos poderá mudar Portugal, poderá melhorá-lo.

Ema C. nº12 11ºA

1 comentário:

Noémia Santos disse...

Têm aqui um exemplo de trabalho como se pedia - interessante, esforçado,com afirmações fundamentadas e a revelar amplo conhecimento do excerto.

É uma questão de brio, de vontade e autodisciplina...