Os
Maias: Capítulo XVIII (excertos)
1. Registar ideias-chave, justificando com
as frases que melhor caracterizam Carlos e o país
- Passou mais um ano, passaram outros,
nasceram e morreram pessoas, nada mudou, o país continua igual: “E esse ano
passou. Gente nasceu, gente morreu. Searas amadureceram, arvoredos murcharam.
Outros anos passaram.”
-Carlos, passados quase dez anos,
resolvera voltar “ao velho Portugal”.
-Carlos e Ega eram amigos, gostavam muito
um do outro e tinham uma grande relação de cumplicidade: “os dois amigos enfim
juntos almoçavam”.
-Paris não envelhece as pessoas, não as
cansa, ao contrário de Lisboa que as degrada e as arrasa: “-Nem uma branca, nem
uma ruga, nem uma sombra de fadiga!... Tudo isso é Paris, menino!... Lisboa
arrasa. Olha para mim, olha para isto!”
-Carlos, para melhorar o país, pensara em
entrar na diplomacia, pois tinha a “blague” e a “massa”. Mas, após refletir,
esquecera essa ideia. Para quê entrar na diplomacia? Para ter “o sentimento
constante da própria insignificância”?
-Carlos considerava a Política como a
“ocupação dos inúteis”.
-Ega refere a política como algo
“moralmente e fisicamente nojento”; os políticos eram nojentos e agiam como se
fossem fantoches: “Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam
gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por traz lhes puxavam
pelos cordéis... Ainda assim podiam ser bonecos bem recortados, bem
envernizados. Mas qual! Aí é que estava o horror. Não tinham feitio, não tinham
maneiras, não se lavavam, não limpavam as unhas... Coisa extraordinária, que em
país algum sucedia, nem na Roménia, nem na Bulgária! Os três ou quatro salões
que em Lisboa recebem todo o mundo, seja quem for, largamente, excluem a
maioria dos políticos. E porque? Porque as senhoras têm nojo!”
-Ega acha Lisboa melhor, mais simples e
mais calma: “esta nossa vidinha de Lisboa, simples, pacata, corredia, é
infinitamente preferível.”
-Carlos apercebe-se de que em Lisboa nada
mudara enquanto estivera fora, a capital continuava a mesma, bem como a gente.
“reentrando na intimidade daquele velho coração da capital. Nada mudara. A
mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os
mesmos reposteiros vermelhos, com brazões eclesiásticos, pendiam nas portas das
duas igrejas. O Hotel Aliance conservava o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo
sol dourava o lagedo; batedores de chapéu à faia fustigavam as pilecas; três
varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena
luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havaneza,
fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando.” E o problema não
era da cidade mas sim de quem vivia nela. A gente de Lisboa era feia, suja e
vadia: “- Isto é horrível quando se vem de fora! exclamou Carlos. Não é a
cidade, é a gente. Uma gente feiíssima, encardida, molenga, reles, amarelada,
acabrunhada!...”
-Continuava tudo igual, nojento, parado e
melancólico: “E Carlos reconhecia, encostados às mesmas portas, sujeitos que lá
deixara havia dez anos, já assim encostados, já assim melancólicos. Tinham
rugas, tinham brancas. Mas lá estacionavam ainda, apagados e murchos, rente das
mesmas ombreiras, com colarinhos à moda.” Enquanto Carlos estivera fora,
ninguém tentara mudar o país, ninguém o tentara salvar, ou pelo menos melhorar…
-Nas ruas circulava um ar calmo e limpo:
“Mas um ar lavado e largo circulava; o sol dourava a caliça; a divina
serenidade do azul sem igual tudo cobria e adoçava.”
-Carlos observa a geração nova que ainda
não conhecera, ficando pasmado pois os “moços” não estavam a trabalhar na hora
de trabalho e mulheres, não havia: “Pela sombra passeavam rapazes, aos pares,
devagar, com flores na lapela, a calça apurada, luvas claras fortemente
pespontadas de negro. Era toda uma geração nova e miúda que Carlos não
conhecia. Por vezes Ega murmurava um olá!, acenava com a bengala. E eles iam,
repassavam, com um arzinho tímido e contrafeito, como mal acostumados àquele
vasto espaço, a tanta luz, ao seu próprio chic. Carlos pasmava. Que faziam,
ali, às horas de trabalho, aqueles moços tristes, de calça esguia? Não havia mulheres. Apenas num
banco adiante uma criatura adoentada, de lenço e chale, tomava o sol; e duas
matronas, com vidrilhos no mantelete, donas de casa de hóspedes, arejavam um
cãozinho felpudo."
-O que o espantava mais eram as botas dos
cavalheiros, pois estas eram uma representação do Portugal contemporâneo. Estas
demostram a tentativa dos portugueses de serem modernos, de serem como os
estrangeiros, de serem melhores. No entanto, esta tentativa falhara… Os
portugueses apenas demonstravam falta de originalidade, força e caráter.
Deturparam tudo, enganaram-se, tropeçaram, num “desesperado e angustioso
esforço” que não os levou a lado nenhum: “Porque essa simples forma de botas
explicava todo o Portugal contemporâneo. Via-se por ali como a coisa era. Tendo
abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI, que tão bem lhe ficava, este
desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas sem originalidade, sem
força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio próprio, manda vir
modelos do estrangeiro - modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de
arte, de cozinha... Somente, como lhe falta o sentimento da proporção, e ao
mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno e muito civilizado
- exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura. O figurino da bota
que veio de fora era levemente estreito na ponta; - imediatamente o janota
estica-o e aguça-o até ao bico do alfinete. Por seu lado o escritor lê uma
pagina de Goncourt ou de Verlaine em estilo precioso e cinzelado; -
imediatamente retorce, emaranha, desengonça a sua pobre frase até descambar no
delirante e no burlesco. Por sua vez o legislador ouve dizer que lá fora se
levanta o nível da instrução; - imediatamente põe no programa dos exames de
primeiras letras a metafísica, a astronomia, a filologia, a egiptologia, a
cresmatica, a crítica das religiões comparadas, e outros infinitos terrores. E
tudo por aí adiante assim, em todas as classes e profissões, desde o orador até
ao fotógrafo, desde o jurisconsulto até ao sportman...”
-Ao tentarem ser “imensamente civilizados
e imensamente brancos...”, só fizeram pior: “- De modo que isto está cada vez
pior...”
-Já nada no país é português, já nada é
genuíno, é tudo copiado, tornando assim o país não mais moderno mas sim
miserável: “- Medonho! É dum reles, dum postiço! Sobretudo postiço! Já não há nada genuíno neste miserável país, nem
mesmo o pão que comemos!”, levando até ao riso: “Carlos ria”.
-Apenas os altos de cidade eram genuínos e
responsáveis por arrastar a “velha Lisboa fidalga”.
-Está tudo tão mau, e é melhor não
olharmos para nós mesmos, pois ainda estamos pior: “- Sim, com efeito, é talvez
mais genuíno. Mas tão estúpido, tão sebento! Não sabe a gente para onde se há
de voltar... E se nos voltamos para nós mesmos, ainda pior!”
-Carlos e Ega continuam a criticar
Portugal: “Ainda falavam de Portugal e dos seus males”.
-O administrador transmitia a ideia errada
do país, porque para ele (político) tudo estava excelente o país já não se
encontrava sequer “atrás de ninguém”.
-A memória mais triste que Carlos trazia
de sua casa era “o escritório de Afonso da Maia”.
-No quarto, Carlos desabafa com o amigo
Ega: “- E aqui tens tu a vida, meu Ega! Neste quarto, durante noites, sofri a
certeza de que tudo no mundo acabara para mim... Pensei em me matar. Pensei em
ir para a Trapa. E tudo isto friamente, com uma conclusão lógica. Por fim dez
anos passaram, e aqui estou outra vez...”
-Carlos valoriza a sua família: “- Não há
nada que me faça mais pena do que não ter um retrato do avô!... Em todo o caso
este sempre o vou levar para Paris.”
-Carlos está igual, é o mesmo homem de há
dez anos atrás, nada de novo na sua vida acontecera. Ele falhou. Carlos e Ega
falharam a vida. Esta nunca é como nós imaginamos: “- Falhámos a vida, menino!
- Creio que sim... Mas todo o mundo mais
ou menos a falha. Isto é falha-se sempre na realidade aquela vida que se
planeou com a imaginação. Diz-se: «vou ser assim, porque a beleza está em ser
assim». E nunca se é assim, é-se invariavelmente assado, como dizia o pobre
marquês. Às vezes melhor, mas sempre diferente.”
-A casa de Carlos possui toda a sua vida
nela, no entanto ele só lá vivera dois anos: “- É curioso! Só vivi dois anos
nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!”.
-Para Ega, ele e Carlos eram Românticos:
“indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela
razão...” mas Carlos queria saber se, os que se guiam apenas e só pela razão,
eram mais felizes que eles ou não. Ao que Ega responde: “- Creio que não”.
-É revelada a importância da comida: “-
Que ferro! E eu que vinha desde Paris com este apetite! Esqueci-me de mandar
fazer hoje para o jantar um grande prato de paio com ervilhas.”
2. Registar uma breve síntese
interpretativa
-A conclusão final a que Carlos e Ega
chegam foi: “Por fora, à vista, são desconsolar-se. E por dentro, para eles
mesmos, são talvez desconsolados. O que prova que neste lindo mundo ou tem de
se ser insensato ou sem sabor...
- Resumo: não vale a pena viver...”
-A teoria de vida de Carlos e Ega: “a sua
teoria da vida, a teoria definitiva que ele deduzira da experiência e que agora
o governava. Era o fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear... Não se
abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e
o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias
agrestes e de dias suaves. E, nesta placidez, deixar esse pedaço de matéria
organizada, que se chama o Eu, ir-se deteriorando e decompondo até reentrar e
se perder no infinito Universo... Sobretudo não ter apetites. E, mais que tudo,
não ter contrariedades.”
-Qual o sentido da vida, porque é que
vivemos se não “vale a pena viver”. Todo o esforço era inútil. Porque é que
tínhamos objetivos? Porque é que tínhamos de os alcançar? Se tudo se irá
desvanecer e transformar em “desilusão e poeira”: “inutilidade do todo o
esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra -
porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e
poeira.”
-Para quê apressarem-se? Não valia a pena,
mais valia retardar o passo. É assim que se devia viver e percorrer o nosso
caminho: sem esperanças e sem pressas: “ Não saia deste passinho lento,
prudente, correcto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.
- Nem eu! acudiu Carlos com uma convicção
decisiva.
E ambos retardaram o passo, descendo para
a rampa de Santos, como se aquele fosse em verdade o caminho da vida, onde
eles, certos de só encontrar ao fim desilusão e poeira, não devessem jamais
avançar senão com lentidão e desdém.”
-Os dois amigos estão atrasados. No
entanto, ainda podiam apanhar o «Americano», se se apressarem… - Comprovação da
necessidade de apressar o passo, mas baseando-se na sua “teoria definitiva da
existência”, Carlos e Ega não iriam alterar o seu modo de vida e de pensar; não
correram para coisa alguma, “- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o
dinheiro, nem para o poder...”.
-Carlos e Ega, que sempre tiveram a ideia
de melhorar o país, ainda nada tinham feito. Tal como com o «Americano» ainda
era possível, se forem a correr “-Ainda o apanhamos!”. Apesar de tudo estar a
descambar, a degradar-se e de tudo levar à “desilusão e poeira”, ainda havia a
possibilidade de mudar. Talvez, se se esforçassem, ainda chegariam a tempo.
Será que Carlos e Ega conseguiram apanhar o «Americano»? Será que todo o
esforço seria recompensado? Se acreditassem que podiam mudar, podiam melhorar o
país. Ainda havia esperança.
3. Comparar com Gonçalo
-Tal como Gonçalo, Carlos também dá
importância à amizade, Gonçalo tem Titó, Carlos tem Ega: “os dois amigos enfim
juntos almoçavam”, “E os dois amigos atravessaram o peristilo.” E “meu Ega”.
-Gonçalo tinha o sonho de entrar na
política (ser deputado) e Carlos demonstra também esse o sonho de ir para a diplomacia, apesar de ter
reconsiderado essa hipótese, nunca chegando a realizar este sonho.
-Para Gonçalo o país estava malu, parado e
ninguém fazia nada para o melhorar, exatamente como acontece com Carlos. Este
apercebe-se do quão malu Portugal se encontra e, durante todo o tempo em que esteve
fora, ninguém fez nada para o melhorar, terá de ser ele a fazer algo para tirar o
país da miséria e da melancolia.
-Carlos valoriza também muito a sua
família, tal como Gonçalo, tem grande carinho pelos seus antepassados: “- Não
há nada que me faça mais pena do que não ter um retrato do avô!... Em todo o
caso este sempre o vou levar para Paris.”
-Concluindo, tal como Gonçalo, estava nas
mãos de Carlos mudar o país, sem ele nada iria avançar. Assim, se acreditar e
tiver esperança (porque ela ainda existe) e correr como correu para apanhar o
«Americano», Carlos poderá mudar Portugal, poderá melhorá-lo.
Ema C. nº12 11ºA
1 comentário:
Têm aqui um exemplo de trabalho como se pedia - interessante, esforçado,com afirmações fundamentadas e a revelar amplo conhecimento do excerto.
É uma questão de brio, de vontade e autodisciplina...
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